Tragédia da ganância

Tragédia da ganância

publicidade

Já se se sabe que as mineradores trabalharam muito depois da tragédia de Mariana para impedir que empecilhos legais à sua ganância fossem aprovados. Deu certo. Não faltaram parlamentares para fazer o trabalho sujo.

Como diz Bernardo Mello Franco, tem uma bancada da lama.

Pouca coisa pode ter efeito mais devastador do que o encontro de duas forças paradoxais, antagônicas e complementares: a ganância de certas empresas privadas e a negligência do Estado. A tragédia de Brumadinho é a continuação do drama de Mariana. Estado e empresa uniram-se pelo chamado progresso, apelido da falta de escrúpulos em busca do lucro, e fecharam os olhos às evidências de catástrofes não naturais anunciadas. Em dezembro de 2018, ambientalistas e moradores de Brumadinho alertaram para o perigo que todos corriam. Mesmo assim, o governo do petista Fernando Pimentel autorizou a Vale do Rio Doce a ampliar as suas atividades na área. Nesse tipo de incúria, os partidos e as ideologias se igualam. Não se fala agora em combater a “indústria da multa” que seria praticada pelo Ibama?

A Vale não teve tempo de usar a autorização que ganhou?

É o que se verá. Duas barragens da mesma empresa, a menos de 200 quilômetros uma da outra, não rebentam em três anos por coincidência, fatalidade ou falta de sorte. O denominador comum do horror tem nome: incompetência, falta de fiscalização, apetite desmesurado. Quantas vezes barragens da Vale estouraram assim antes de 1997? O que houve nesse ano? A empresa foi privatizada. Empresas estatais poluem muito. A Petrobras está no pelotão dianteiro das derramadoras de óleo. A privatização, cantada em prosa e verso, como solução nem sempre salva. Aí vem a justificativa: faltou fiscalização. Sim, faltou. Mas isso absolve empresa de não ter freio moral próprio? A privatização da Vale afrouxou os seus mecanismos de controle? O Estado é a sociedade organizada por meios dos seus representantes.

Em 2015, Dilma Rousseff levou uma semana para visitar Mariana. Um absurdo. Em 2019, Sérgio Moro ainda não foi ao Ceará, que arde nas chamas provocadas por bandidos feridos nos seus privilégios carcerários. Jair Bolsonaro foi prontamente a Brumadinho. Aprenderá a lição de que defesa do meio ambiente e limites rigorosos a certas operações não são conversa fiada de comunista? Ou vai esperar a lama secar e deixar rolar como sempre. Os desastres de Mariana e Brumadinho mostram que o Brasil não é o país que mais protege o meio ambiente no mundo. Ainda achamos que ambientalistas são chatos que atrapalham a empregabilidade e o lucro.

Essas duas infâmias resultam de um mesmo imaginário, um modelo de exploração que submete a natureza a todo custo e, diante de qualquer dúvida ou alerta, dobra a aposta com base em pareceres de experts que ganham muito para não se enganar e, quando se enganam, ficam trancados nos seus luxuosos escritórios climatizados longe das mortes e do desespero. Se a Vale ainda fosse estatal a explicação para o ocorrido estaria pronta. Um dia, todas empresas se anteciparão à fiscalização pública. Elas terão valores humanistas e sensibilidade ecológica. Então o Estado não será mais necessário. Será como em certos países onde os compradores pegam o jornal e jogam a moeda correspondente ao lado da pilha.

Não há mais vendedor.

Só há comprador e comprados.

 

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895