Trinta anos neste domingo

Trinta anos neste domingo

História de um casamento

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      Fiquei sabendo que os casamentos de longa duração estão fora de moda. Nunca fui um cara de moda. Os modismos são contraditórios. É gente que tenta se distinguir participando de uma onda. Eu já ia dizer um rebanho, mas parei. Seria deselegante. A elegância também está fora de moda nestes tempos de polarização, redes sociais odiosas, haters, pegada forte e fitness. Neste domingo, Cláudia e eu, navegando à contracorrente, comemoramos 30 anos de casamento. Foi num 15 de dezembro escaldante de 1989. Fernando Collor, o caçador de marajás da Veja e da Folha de São Paulo, havia sido eleito presidente da República não fazia muito tempo e ninguém ainda podia imaginava que ele iria confiscar as nossas suadas poupanças logo depois da posse.

      Trinta anos neste domingo. Vários deles passados na França. Não era possível de modo algum pensar naquele momento que em três rápidas décadas passaríamos por dois impeachments de presidente da República, que eu publicaria 38 livros individuais, que não teríamos filhos, que a esquerda chegaria ao Planalto, onde ficaria por 14 anos e de onde seria afastada por “pedaladas” fiscais, tendo a corrupção como pano de fundo, e que a extrema direita voltaria ao poder falando em AI-5 e louvando o torturador Brilhante Ustra. Que imagens guardamos daquele dia do último mês da década de oitenta? As imagens da felicidade, claro. Um vídeo.

Dulce Helfer, minha colega de jornal, fotógrafa fashion, ficou de ir nos capturar para a posteridade e não apareceu.

      Uma pauta de última hora a levou para outro lugar. Mesmo assim, lá estamos nós na foto sobre a mesa. Uma conversão do vídeo. Somos jovens, confiantes, embora desconfiados do discurso modernizante do novo mandatário da nação. O que se discutia em nosso casamento cheio de jornalistas? A manipulação pela Globo da edição do último debate entre Lula e Collor, que ajudaria o herói das elites a ganhar a parada. Anos depois, diretores da Globo reconheceriam a trapaça. O moderno em seguida virou antigo. A comédia tornou-se farsa. O drama deu um salto para a tragédia. O país afundou. Vimos tudo da Europa.

      Casamos logo depois da queda do muro de Berlim. Nestes 30 anos, a União Soviética desapareceu, o socialismo do leste europeu morreu, a Alemanha foi reunificada – desembarcamos lá em 1991 para três meses de imersão no velho novo mundo –, o terrorismo derrubou as Torres Gêmeas em Nova York, explodiu uma coisinha chamada internet. Naquele 15 de dezembro de 1989 não havia celulares nos bolsos e nas bolsas, a palavra aplicativo não pipocava nos lábios dos convidados, o filme cult era “Faça a coisa certa”, de Spike Lee, mas muita gente se emocionou com “A sociedade dos poetas mortos”, de Peter Weir. Batman andava na área, Woody Allen também, com seus “Crimes e pecados”.

      Madonna reinava com “Like a prayer”. Marisa Monte fazia seu show com “Bem que se quis”. Revisei os sucessos musicais dos anos 1960 aos anos 2019. Foi durante a década de 1980 que tudo degringolou. Trinta anos neste domingo. O mundo mudou. Estamos juntos. Cláudia, te amo.

     

     


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