Um ano sem Marielle

Um ano sem Marielle

Ainda falta descobrir o mandante do assassinato da vereadora

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Ontem, faz um ano que Marielle Franco e o seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados a tiros no Rio de Janeiro. A polícia prendeu há dois dias os suspeitos pelo crime. Uma pergunta ainda não cala: quem mandou matá-los? Negra, homossexual, militante de esquerda, mulher empoderada, crítica implacável da violência oficial nas periferias pobres e das milícias, Marielle Franco incomodava muita gente. A prova disso é que um candidato a deputado, que se elegeu, Rodrigo Amorim (PSL), quebrou uma placa de rua com o nome da vereadora do PSOL assassinada e emoldurou o destroço como troféu para enfeitar a parede do seu gabinete parlamentar.

      Num país machista, racista, conservador e homofóbico, Marielle representava um perigo, o da exposição das verdades encobertas. Logo depois do seu assassinato, entrou em ação uma fábrica de fakenews para tentar desqualificá-la. Ela teria sido eleita pelo Comando Vermelho, seria ex-companheira do bandido Marcinho VP, fumava maconha, engravidara aos 16 anos de idade e defendia bandido. Tudo mentira. A vitória da Mangueira, no carnaval carioca deste ano, numa homenagem a Marielle, mostra que a sua morte continua viva na memória das pessoas e que as autoridades terão de encontrar a verdade. Várias vezes, coletivas de imprensa foram organizadas para anunciar a proximidade do esclarecimento. Será que chegou a hora?

      O Rio de Janeiro é pródigo em ex-policiais convertidos em bandidos justiceiros, que controlam favelas, fingindo combater o narcotráfico, extorquindo moradores, ocupando o lugar deixado vago pelo Estado na prestação de certos serviços e vendendo segurança sob pena de eliminação dos refratários ao uso de tão generosos préstimos. Um dia antes de morrer, Marielle criticou abusos da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Ela cobrava coerência: “Do tráfico não se cobra a lei e o respeito. Eu cobro essa postura é do Estado". Marielle morreu por defender justiça e igualdade.

      Quem serão os mandantes? Ninguém? Neste país de tantas misérias e omissões, de tanta hipocrisia e cinismo, choramos por Marielle e Anderson, mártires de uma guerra cotidiana na qual o Estado já não protege os cidadãos. Como num passado recente, choram Marias, Clarices e Mônicas e quase todos nós, salvo os que quebram placas com nomes de vítimas ou os que aplaudem essa façanha, somos bêbados trajando luto enquanto a tarde volta a cair como um viaduto danificado sobre as desigualdades do Brasil.

      Um ano sem Marielle, sem Anderson, sem a verdade, sem esclarecimento, até que um fio de luz apareceu. Um ano de coletivas vazias, de autoridades jogando com as palavras, de falsas pistas e de anúncios oficiais tão verdadeiros quanto notas de três reais. A investigação agora parece ter avançado, mas continua incompleta. Há quem preferisse ver o nome de Marielle morrer com ela. Acontece que esse nome ecoa como uma verdade incômoda: Brasil precisa esclarecer totalmente a morte de vereadora negra, lésbica, de esquerda e crítica dos abusos da polícia, dos milicianos e da ausência do Estado. Quem mandou matá-la?

 


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