Um ideia de justiça

Um ideia de justiça

O pensamento de Amartya Sen

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Uma grande biografia pode ser resumida em poucas linhas. Cabe na orelha de um livro: “Amartya Sen nasceu em Sentiniketan, atual Bangladesh, em 1933. Após a partição de 1947, emigrou com a família para a Índia, onde estudou antes de se doutorar em economia pelo Trinity College, em Cambridge, Reino Unido. Recebeu em 1998 o prêmio Nobel de economia por seu trabalho sobre a economia do bem-estar social. É professor da Universidade Harvard”. Já foram publicados no Brasil os seus livros “Sobre ética e economia”, “Desenvolvimento como liberdade”, “As pessoas em primeiro lugar” e “A ideia de justiça”.

No momento, com a devida permissão para uma reflexão vertiginosa, o que mais se precisa é de uma ideia de justiça. Amartya Sem revisita temas antigos e incontornáveis: “As pessoas são invariavelmente, ou mesmo normalmente, guiadas pela razão, ao invés de, digamos, pela paixão ou pelo impulso? Se as normas de comportamento racional não são seguidas pelas pessoas em seu comportamento real, como podemos buscar a mesma resposta para duas questões muito diferentes: para uma pessoa, o que é racional para alguém fazer e o que essa pessoa realmente faz?” Virou lugar comum dizer que tudo depende da subjetividade de cada um. E se não existirem tantas subjetividades quantas são as pessoas, mas um conjunto de subjetividades compartilhadas por processos educativos e culturais?

A ideia de que cada um é dono de uma subjetividade única e que as emoções comandam as ações por trás da razão encontra cada vez mais defensores e adula o ego de cada um. Daí derivam teorias de que se cinco pessoas veem um acidente e o descrevem separadamente tem-se cinco versões diferentes do mesmo acontecimento. Será mesmo? Serão elas tão diferentes a ponto de não representar o mesmo fato ou de anular a ideia da existência de fatos externos aos observadores? Se um barco aponta no horizonte dificilmente alguém dirá que é um elefante. O que tudo isso tem a ver com a ideia de justiça de Amartya Sen? Possivelmente o fato de que a justiça depende de uma racionalidade comum. É preciso que pessoas possam compartilhar um ponto de vista.

Um dos capítulos de “A ideia de justiça” de Amartya Sem tem como provocativo título “A pluralidade das razões imparciais”. O leitor pode focar-se em “pluralidade” ou em “razões imparciais”. Supõe-se que a justiça possa e deva ser imparcial. Nada impede que se pense para além do próprio interesse: “Argumentou-se no último capítulo que não há nada de extraordinário ou irracional em fazer escolhas e tomar decisões que ultrapassam as fronteiras estreitas da busca exclusiva do autointeresse. Os objetivos das pessoas podem ir muito além da obstinada busca de seus objetivos pessoais, talvez movidas por algum interesse pela decência no comportamento, permitindo aos outros que também busquem seus objetivos”. A razão existe e pode funcionar.

A um apresentador de televisão que lhe perguntou por que existe algo em vez de nada, Umberto Eco respondeu amparado em sábios antigos: “Porque sim”. Por que podemos ser racionais e justos? Porque sim.

Numa ideia de justiça com justiça a imparcialidade do juiz é uma obrigação.


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