Um italiano sedutor

Um italiano sedutor

Lembranças de Contardo Calligaris

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     Recebi um telefonema. Era alguém ligado ao Centro Cultural Italiano, se me lembro bem. Falou que estava morando em Porto Alegre um grande pensador italiano: Contardo Calligaris. Passou o contato. Liguei para ele. Atendeu um homem simpático, de voz sedutora e humor refinado. Marcamos um encontro. Ficamos amigos de cara. Propus-lhe que lêssemos um pequeno livro, “As três ecologias”, de Félix Guattari, conversássemos sobre ele e disso eu tirasse um texto para um caderno de final de semana do jornal. Assim fizemos. Foi bom demais. Cantardo Calligaris morreu de câncer na última terça-feira. Era um grande intelectual. A última vez que o encontrei foi num evento da Unimed Federação RS. Ele chorou no palco ao se referir ao caso de alguém que estava doente, algo assim.

      Quando fomos morar em Paris ele me encheu de bons contatos para que não nos sentíssemos desamparados na chegada. Como estava por lá, tratou de nos convidar para jantar depois de uma mesa em que ele participava numa livraria chique do Quartier Latin. Falava inglês, francês, italiano, português, tudo com seu sotaque de amante latino. Fiquei impressionado com a sua desenvoltura entre intelectuais parisienses. Voltei para casa antes do jantar. Cláudia não estava muito bem e decidimos não ir ao jantar. Ele ligou insistindo. Tentei uma mentirinha inocente: ela está com pneumonia. A resposta me derrubou: “Estou indo para aí então”. Precisei recuar. Era afetuoso. Quando me meti num rolo ele aceitou fazer parte numa espécie de banca paralela para mim junto com Décio Freitas e Denis Rosenfield.

      Passei anos sem vê-lo. Um dia, no ônibus de um evento, em Curitiba, vi que ele estava num banco à frente de mim. Eu andava me sentindo meio pária por outra polêmica e não quis incomodá-lo. Ele se levantou, segurou-se no banco e me perguntou: “Deixou de ser meu amigo por ter ficado famoso?” Claro que famoso era ele. Colunista de sucesso da Folha de S. Paulo, intelectual do mundo, morador de Nova York, convidado para palestras de todo tipo. Eu ri amarelo. Ele me consolou: “Sei que você entrou em novas confusões. Se precisar de uma mesa, conta comigo”. Tivemos o prazer de entrevistá-lo no Esfera Pública. Falava bem, dissecava a cultura com seu olhar de psicanalista, fazia as ideias de Jacques Lacan parecerem simples, dava gosto a tudo.

      Fui um dos primeiros, talvez o primeiro, a escrever sobre seu livro “Hello, Brasil”, que recebi com autógrafo. Eu sempre me orgulhei de tê-lo conhecido. Gostava de saber que ele não esquecia as pessoas. Atendia os telefonemas, dava a sua opinião sobre os mais diversos assuntos, não se negava aos conhecidos. Aí fico pensando: conheci Ronaldinho Gaúcho criança, Felipão começando a carreira, Ronaldo Fenômeno quase adolescente no PSV, onde fui entrevistá-lo e com quem tenho uma foto de dois quase guris. Eles se transformaram em gigantes. Continuei pequeno, mas feliz de tê-los encontrado algum dia. Contardo Calligaris era intelectual, leitor, comentarista da vida. Bravo!


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