Um velho poema para um novo ano

Um velho poema para um novo ano

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Os pássaros

 

Quem não se emociona com os pássaros

Que partem para o outro lado do mundo?

Será que eles sabem mesmo aonde vão

Ou, como os homens, voam para o fundo,

 

Fundo imenso do tudo, do nada, da imensidão?

 

Há em cada pássaro uma solidão desplumada,

Como se cada ave solene se despisse no ar,

Mantendo na revoada a vida por um penar.

 

Canto e esperança sobre a água salgada.

 

Será que os pássaros sentem saudades do sol?

Levarão os pássaros na bagagem uma lembrança?

Memória das pedras, dos ninhos, de um arrebol?

 

Existem pássaros que voam em esquadrão,

Podem ser vistos zumbindo no azulão,

Quem são eles, esses estorninhos?

Por que não escolhem outros caminhos?

 

Há todo tipo de viajante e de viagem.

Para onde vai agora este albatroz?

Por que seu voo parece assim atroz?

Por que seu olhar parece assim feroz?

 

Acumulam esses pássaros milhagem?

Ou lhes basta um saco de aniagem,

Um aceno, um piar e uma paisagem

Desde que sigam sempre a avançar?

 

A andorinha sozinha não faz verão,

Talvez por isso viaje em excursão.

Será que nas alturas os pássaros rezam

E pedem ao seu Deus por tempo bom?

 

Como esses pássaros lembram homens, viajantes,

Como lembram esses grupos de retirantes,

De trabalhadores, de ansiosos emigrantes

Buscando aconchego nas asas uns dos outros.

 

Por vezes, na aspereza do céu, em alarido

Parecem querer cobrir o silêncio ferido

Pela tristeza incontida da retirada.

 

Que mágoas e inquietações levarão os pássaros?

Terão a certeza de encontrar casa e comida?

Terão deixado sem despedida algum amor de estação?

 

O que separa os pássaros dos homens?

Será mesmo o que se chama de instinto?

Conhecerão os homens a alma do absinto?

 

Ou, feito os pássaros, seguem em repontes,

Taciturnos ou ruidosos, bebendo um tinto,

Viajando para esses velhos novos horizontes

Como quem tenta decifrar a natureza do mar.

 

Feliz 2018 a todos que ousam ou sonham voar.

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