Uma radiografia das manifestações

Uma radiografia das manifestações

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Quem pode ser contra pessoas nas ruas manifestando-se contra a corrupção? Ninguém.

Quase um milhão e meio de manifestantes em todo o país. Muito. E muito pouco.

A Polícia Militar de São Paulo apostou em um milhão de manifestantes na Paulista.

O Instituto DataFolha diz que foram 210 mil.

Uma pequena diferença de 800 mil.

Questão de metodologia ou de ideologia?

Em Porto Alegre, a BM marcou cem mil manifestantes. De deixar pela metade, não tem erro.

As polícias militares sempre contam para menos. Desta vez, contaram para mais?

A maioria gigantesca da população brasileira não se manifestou. Na hipótese mais otimista, 1% da população (de 200 milhões) foi a rua. Na mais realista, 0,5%. Mesmo assim, a batata da presidente Dilma passou do ponto. Com razão. O PT perdeu-se na corrupção do mensalão e não aprendeu a lição. Reincidiu. Certo problema das manifestações, porém, tem a ver com a coerência. Se os protestos eram contra a corrupção, por que quase só havia cartazes contra o PT? E o PP, o PMDB, o PSDB? E Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Antonio Anastasia e tantos outros? Isso não pode ser atenuante para os erros do petismo.

As manifestações apoiaram-se em quatro pilares: corrupção; ideologia neoliberal (defesa de Estado mínimo); desejo tucano de um terceiro turno (inconformidade com o resultado das eleições) e antipetismo (alavancado pelo horror às suas políticas sociais e pela arrogância passado do PT, quando este fazia crer que era o paladino da ética e apontava o dedo para os demais). Evidentemente que sem a corrupção os demais pilares dessa obra não encontrariam base para tomar corpo.

O antipetismo, porém, é tão forte que não houve sequer tentativa de empacotar as manifestações como uma recusa do modelo político atual com todos os partidos atolados no toma-lá-dá-cá. Ou alguém acredita mesmo que tenha partido limpo?

As manifestações levaram às ruas gente sinceramente contra a corrupção. Mas isso não pode encobrir o fato de que também foram às ruas (muitas vezes a mesma pessoa) aqueles que encontraram, enfim, apoio para desovar o ódio ao petismo. Não deixou de ser uma manifestação dos eleitores de Aécio Neves, dos leitores da Veja e dos insatisfeitos com o resultado das urnas.

A ideologia está no centro dos atos deste 15 de março.

Pediu-se impeachment, intervenção militar, fim do STF e outras coisas que nem sempre rimam com democracia.

"Otário pede impeachment, patriota exige intervenção constitucional", insultava um dos cartazes, em São Paulo.

Em Porto Alegre, manifestante pedia intervenção militar de seis meses, garantindo não ser ditadura.

Outras manifestações devem ocorrer.

O petismo mostrou, depois do mensalão, que não se emenda facilmente.

Defende-se alegando que a regra do jogo não lhe deixa alternativa.

Essa racionalização não ilumina o futuro.

A esperteza de virar à direita depois das eleições não enganou a direita e enfureceu a esquerda.

A velha malandragem lulista de ganhar com a esquerda e governar com a direita, dando migalhas aos pobres e milhões aos ricos, já não satisfaz parte alguma. O ministro da Fazenda Joaquim Levy está no mato sem cachorro. Dilma está perdida. Se aprofundar o ajuste fiscal, fica sem o pouco que lhe resta da base popular. Se der meia-volta, bota outros milhões nas ruas.

Como pode um mesmo acontecimento carregar tantas contradições?

Por um lado, justa indignação contra a corrupção. Por outro lado, indignação seletiva. É claro que o governo é o foco. Nada mais razoável que receba a crítica mais aguda. Isso não invalida que o Congresso Nacional também está sob suspeita, com os presidentes da Câmara de Deputado e do Senado sob investigação. Salvo se a suspeita recai mesmo sobre o Ministério Público. Teria o Procurador-Geral da República impostos Eduardo Cunha e Renan Calheiros na sua lista para favorecer o governo?

Teorias da conspiração não faltam.

Faltaram foi cartazes contra o ajuste fiscal. Prova de que esse não é um tema sensível aos manifestantes de elite.

Evidência há uma só: vai de mal a pior. O PT faz por merecer, não o impeachment (ainda  não), mas o seu inferno astral.

Não está no olho de furacão de graça.

Como convencer um ser ideologizado ao extremo que para derrubar um presidente é necessário mais do que uma suspeita ou do que a insatisfação de muitos com as promessas não cumpridas ou com a incompetência do eleito?

Quanto mais se fala em fim das ideologias, mais a ideologia move as pessoas no Brasil e no mundo.

Nada de errado nisso.

Alguns, porém, só veem ideologia na posição do outro.

Acreditam que a sua ideologia é apenas a verdade neutra e definitiva.

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