Velhos poetas

Velhos poetas

Encontro com a arte em estado puro

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 Nas viagens, mesmo rápidas, são os encontros que interessam. Neles, estreitam-se por alguns minutos laços que nunca existiram. Ficam para sempre como marcas de um instante intensamente vivido. Fui a Bento Gonçalves lançar “Ser feliz é tudo que se quer” na livraria Dom Quixote. Antes do evento, conheci um velho professor de francês, Jayme Pooli. Batemos um papo na língua de Charles Baudelaire e Michel Houellebecq. Ao final, ele me presenteou como uma relíquia pessoal: uma coleção de seis pequenos livros de poesia editada por ele no longínquo ano de 1971.

      Leio e releio os poemas de Oscar Bertholdo, Jayme Pooli, Reni dal Piaz Fornasier, Lucindo Andreola e Jayme Paviani. Parafraseando Mario Quintana, há tanta prosa esquisita, tanta nuança de poemas, tanta poesia bonita nas páginas que não leremos e há uma poesia encantada que só pelas mãos de velhos poetas descobriremos. Leio em Bertholdo que “ao entardecer, as lágrimas constroem o amor, os pássaros regressam à casa e há um eco de lembrança junto à lâmpada como prece de criança”. Leio em Fornasier que “raízes espalham braços/rasgando o ventre da terra”. Leio em Paviani: “No rosto do dia/onde se esconde o ser/O desmedido é a medida/Os sentidos são a lei”. Leio em Pozenato: “Há sempre indesmentidos os sinais/que lidos e entendidos fazem ver/que o termo do viver é viver mais”. Leio e reflito.

      Quanto poetas andam por aí semeando beleza sem que saibamos disso? Leio em Andreola: “Perdi os caminhos,/perdi os horizontes,/resta-me o atalho da solidão/e as sombras não fecundadas/Eu caminhei pelos caminhos perdidos”. Leio em Jayme Pooli, esse meu mais velho novo amigo de sempre, que “quem não oferece flores num poema/não tem encantamento/duradouro e formal desenho”. Olho as plaquetas de poemas sobre a mesa e sorrio. Felizes os poetas que em algum momento se atreveram a dizer o que sentiam. Ouço que a poesia está fora de moda e até que morreu. O grande inimigo da poesia é o homem de bem, racional, razoável, contido, realista, sem romantismos ingênuos, que só sai do trilho com os gols do seu time.

      Poetas da Serra gaúcha, colaboradores, alguns, do antigo Caderno de Sábado do Correio do Povo. Poesia de bom gosto, de versos afiados, filosófica, melancólica, apaixonada pelo cotidiano, límpida e madura. Não canso de reler estes versos cristalinos e sinuosos de Jayme Pooli:

O ruído

tão cheio de coisas incompreensíveis

e compreensíveis

e o ouvido a ouvir

e os olhos a ver

mas tudo ricamente esvoaçador

e era fluxo luminoso

o horizontal

Não há descrença mais

nas quatro mudanças de uma estação

sem nome

os hinos embora iguais podem

correr como correm na minha estação

(ou o que abriga ou desabriga).


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