Vida em Copas

Vida em Copas

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       Uma vida no Brasil dura em média 18 Copas do Mundo. E meia. A pessoa pode rever a sua biografia a partir de cada Mundial de futebol. Está é a minha décima-quinta Copa. Por essa estatística só me faltam três. E meia. Com sorte quatro. Sempre há, porém, questão de metodologia. Nasci em 1962, ano de Copa, então a minha primeira, de fato, seria a de 1966. Precisamos negociar, barganhar, pedir mais. Não deixa de ser interessante pensar o que se fez tendo como referência cada Copa. A primeira da qual tive consciência foi a de 1970. Estava em Palomas. Era ditadura. Escutava a Rádio Guaíba. Ganhamos. Decidi ser jornalista e viajar pelo mundo. Foi uma Copa decisiva para mim.

Em 1974, estava em Santana do Livramento. Era ditadura. Perdemos. Em 1978, tinha 16 anos. Era ditadura. Fazia teatro amador, plantava melancia, tropeava e lia romances franceses. Perdemos. Eu planejava minha vinda para Porto Alegre. Queria realizar o decidido em 1970. Em 1982, estava em Porto Alegre. Era ditadura. Fazia política estudantil. Era anarquista. Ouvia Janis Joplin. Perdemos. Mas já se sentia um ar de democracia. A Lei da Anistia, de 1979, abrira o jogo. Estudante feliz, boêmio e paupérrimo, dividi um ovo com um amigo. Medimos o ovo com uma régua para ninguém sair perdendo. Creio que empatamos. Em 1986, já estava formado em jornalismo e em história. Não era mais ditadura. Nem totalmente democracia. Eu usava cabelos compridos e não tinha votado para presidente da República. Perdemos.

Chegou a Copa de 1990. Era democracia. Eu estava casado, empregado e fazendo mestrado em antropologia. Perdemos. Era hora de radicalizar, de partir e de completar o decidido em 1970. A Copa do Mundo de 1994 me pegou na França. Ganhamos. Foi um momento estranho. A sensação de vencer me deixou confuso. Na primeira, eu tinha oito anos. Aos 32, morando no exterior, eu me senti um Pelé, um Tostão, um Romário. Queria mais. Viajava, fazia jornalismo, acreditava no futuro. Veio 1998. Eu estava novamente na França, fazendo pós-doutorado. Botei pressão dia a dia nos meus amigos franceses e num argentino que morava na minha rua. Perdemos. Mais do que isso: fomos humilhados pelos donos da casa. O argentino não me deu trégua por três meses. Sobrevivi.

Em 2002, instalado em Porto Alegre, professor e jornalista, vivi uma Copa “burguesa”. O ovo dividido já era apenas uma anedota. O exterior, uma história de vida inesquecível. Estava em casa, sempre casado com a Cláudia, bem empregado, feliz, debatendo futebol na Guaíba dos meus sonhos de infância. Era democracia. Ganhamos. Em 2006 e 2010, o esquema se repetiu. Vida arrumada. Perdemos. Em 2014, Copa do Mundo no Brasil. Minha melhor fase pessoal. Tomamos os 7 a 1 da Alemanha. Eis que estamos em 2018. Copa do Mundo da Rússia. O que virá? Ainda estamos na democracia. Tem certos dias em que paira uma dúvida. As próximas Copas para mim serão as da Terceira Idade. Quantas? Três? E meia? Quatro? Com democracia e vitórias? Uma vida em Copas é feita de gols, conquistas, derrotas e muita emoção. Brasil!

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