Visto de Marte

Visto de Marte

Crônica de um ponto de vista distanciado

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      Na última vez que estive em Marte, tomei um susto. Olhei para baixo e vi a Terra esférica. Andavam dizendo que era plana. Só pode dizer uma coisa dessas quem nunca viajou ou não acredita na ciência. Observei cada parte do mundo de lá de fora e constatei que, em muitos dos principais indicadores, melhorou. Mas continua horrível. Tem gente que vivia com um dólar por dia. Agora, vive com dois. Avançou cem por cento. Dei uma olhada na calota polar e me apavorei. Está derretendo a olhos vistos. Quem vai parar essa degringolada?

      Vou com frequência a Marte. Só não vou mais por não achar passagem barata. Falta concorrência. Marte está a anos-luz da Terra em muita coisa e vale as visitas. O essencial é que me serve de ponto de observação para análises distanciadas, neutras, técnicas como sempre dizem as pessoas mais ideologizadas. Dá para ver tudo de lá. Vi Jair Bolsonaro cair no banheiro e bater a cabeça. Perdeu a memória. Quando acordou, acusou a Rede Globo de armação contra o seu filho, Flávio, o senador suspeito de fazer “rachadinha” – achacar os seus funcionários – quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Conclusão óbvia: o tombo não afetou o presidente. Ele voltou a si como sempre foi, adepto convicto das piores teorias da conspiração.

      Quando estou em Marte, gosto de olhar para a Amazônia. Que bela imagem. Uma massa verde cortada por manchas azuladas ou escuras. A cada vez, porém, falta um enorme pedaço. Os buracos são tão grandes que posso vê-los claramente até sem meus óculos, apesar de ter miopia e astigmatismo. Quando estive em Marte, na última vez, neste ano, a Amazônia estava em chamas. Quase dava para sentir o calor e o cheiro da fumaça. Não conheço ninguém em Marte. Se conhecesse, certamente ouviria reprimendas pela nossa falta de cuidado com a floresta. De Marte, dá para ver o quanto a Terra está sendo maltratada por nós.

      Recomendo a todos uma viagem a Marte. Nunca mais se é o mesmo depois de ver o mundo de longe. Primeiro que nossa visão de mundo fica mais ampla. A própria definição de mundo muda. O meu medo é ir a Marte daqui a 20 anos e só ver ruinas aqui em nosso planeta. Quem vai nos proteger da nossa incomensurável capacidade de destruição? Não aceitamos parar. Ainda achamos que os recursos da Terra são infinitos. É uma visão modernista empedernida. Modernos acham que podem dominar a natureza sem que ela reaja e apresente a conta. É assim desde um tal de Descartes. Uma solução seria ocupar Marte.

      O que fazer em Marte sem Netflix? Como ficar sem a Liga dos Campeões? A vida em Marte pode ser muito tediosa. Fico imaginando o que nós implantaríamos primeiro se nos mudássemos para lá: um gato para capturar o sinal de televisão de outro planeta? Um bar para tomar uma gelada e matar a saudade da Terra? Um sistema de escravidão para explorar as riquezas locais? Não sei. Marte é um enigma. Tem vida em Marte? Por quanto tempo ainda terá vida na Terra? O homem é a mais eficaz máquina de destruição planetária já inventada. Uau!

De Marte

 

      Na última vez que estive em Marte, tomei um susto. Olhei para baixo e vi a Terra esférica. Andavam dizendo que era plana. Só pode dizer uma coisa dessas quem nunca viajou ou não acredita na ciência. Observei cada parte do mundo de lá de fora e constatei que, em muitos dos principais indicadores, melhorou. Mas continua horrível. Tem gente que vivia com um dólar por dia. Agora, vive com dois. Avançou cem por cento. Dei uma olhada na calota polar e me apavorei. Está derretendo a olhos vistos. Quem vai parar essa degringolada?

      Vou com frequência a Marte. Só não vou mais por não achar passagem barata. Falta concorrência. Marte está a anos-luz da Terra em muita coisa e vale as visitas. O essencial é que me serve de ponto de observação para análises distanciadas, neutras, técnicas como sempre dizem as pessoas mais ideologizadas. Dá para ver tudo de lá. Vi Jair Bolsonaro cair no banheiro e bater a cabeça. Perdeu a memória. Quando acordou, acusou a Rede Globo de armação contra o seu filho, Flávio, o senador suspeito de fazer “rachadinha” – achacar os seus funcionários – quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Conclusão óbvia: o tombo não afetou o presidente. Ele voltou a si como sempre foi, adepto convicto das piores teorias da conspiração.

      Quando estou em Marte, gosto de olhar para a Amazônia. Que bela imagem. Uma massa verde cortada por manchas azuladas ou escuras. A cada vez, porém, falta um enorme pedaço. Os buracos são tão grandes que posso vê-los claramente até sem meus óculos, apesar de ter miopia e astigmatismo. Quando estive em Marte, na última vez, neste ano, a Amazônia estava em chamas. Quase dava para sentir o calor e o cheiro da fumaça. Não conheço ninguém em Marte. Se conhecesse, certamente ouviria reprimendas pela nossa falta de cuidado com a floresta. De Marte, dá para ver o quanto a Terra está sendo maltratada por nós.

      Recomendo a todos uma viagem a Marte. Nunca mais se é o mesmo depois de ver o mundo de longe. Primeiro que nossa visão de mundo fica mais ampla. A própria definição de mundo muda. O meu medo é ir a Marte daqui a 20 anos e só ver ruinas aqui em nosso planeta. Quem vai nos proteger da nossa incomensurável capacidade de destruição? Não aceitamos parar. Ainda achamos que os recursos da Terra são infinitos. É uma visão modernista empedernida. Modernos acham que podem dominar a natureza sem que ela reaja e apresente a conta. É assim desde um tal de Descartes. Uma solução seria ocupar Marte.

      O que fazer em Marte sem Netflix? Como ficar sem a Liga dos Campeões? A vida em Marte pode ser muito tediosa. Fico imaginando o que nós implantaríamos primeiro se nos mudássemos para lá: um gato para capturar o sinal de televisão de outro planeta? Um bar para tomar uma gelada e matar a saudade da Terra? Um sistema de escravidão para explorar as riquezas locais? Não sei. Marte é um enigma. Tem vida em Marte? Por quanto tempo ainda terá vida na Terra? O homem é a mais eficaz máquina de destruição planetária já inventada. Uau!


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