Woodstock, há 50 anos

Woodstock, há 50 anos

Meio século de um fracasso comercial

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Faz 50 anos. O Festival de Woodstock, nos Estados Unidos, aconteceu entre 15 e 18 de agosto de 1969. Mais de 500 mil jovens reuniram-se numa fazenda, no Estado de Nova York. Não imaginavam que fariam história, criariam uma lenda, fabricariam um mito, viveriam a última utopia: rock, liberdade, sexo, amor, paz, mas também drogas. O Brasil vivia o pior da sua ditadura implantada em 1964. Eram tempos de censura, execuções, tortura, prisões arbitrárias. No mundo, era tempo de hippies e de sonhar com uma sociedade diferente baseada em alguma coisa mais espiritual, mais poética, menos aferrada ao culto do dinheiro e aos valores da bolsa.

O Rio Grande do Sul teria o seu pequeno Woodstock em 1982, o Cio da Terra, em Caxias do Sul. Na festa de 1969, com quase 200 mil ingressos vendidos e uns 300 mil penetras, viveu-se o auge da chamada contracultura. Na pequena cidade de Bethel, com apresentações de Jimi Hendrix, Joe Cocker, The Who, Santana, Ten Years After, Janis Joplin, Creedence Clearwater Revival e outros, a galera literalmente chafurdou na lama, pois choveu muito, e talvez nunca tenha se sentido tão feliz. Se não houve roubos nem violência, teve morte por overdose, consumo desenfreado de maconha e LSD, nudismo, sexo livre, a dois ou mais, críticas à guerra do Vietnã, discursos em defesa do pacifismo, odes à liberdade, ataques a todas as formas de opressão, do capitalismo e do comunismo soviético. Woodstock foi o ato mais político de uma década que sonhou com outra política. No pós-1968, ainda se queria a imaginação como o maior poder.

            Jimi Hendrix fechou o encontro numa apresentação considerada mágica. Os críticos viram em Woodstock uma orgia, uma imoralidade e uma marca da decadência da cultura ocidental. Woodstock ficou para trás. Depois dos hippies, com suas flores nos cabelos, vieram, nos anos 1980, os yuppies, com sua devoção pelo capital sonante. Passou-se da maconha e do LSD à cocaína e da paz e amor ao amor ao sucesso e aos dados bancários revisados várias vezes por dia. Cada época com seus valores e suas drogas. Pode-se, em nome do sempre ponderado bom senso, dizer que a gurizada de 1969 exagerou na dose e propôs um mundo impossível. Sonhar não pagava nada. Melhor do que olhar para frente e imaginar que sempre será o mesmo.

      Ou pior. Um mundo de máquinas perfeitas, homens imperfeitos, robôs ativos, seres humanos inativos. Da utopia impossível à distopia provável. Um aviário. Homo “frangus”. É o que se conclui da leitura de autores como o badalado Yuval Harari. Em Woodstock, ninguém desejava, como cantaria Belchior, ficar em casa “contando o vil metal”. Eles tinham a “ideia de uma nova consciência e juventude”. Passado meio século, a dor de alguns é perceber que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. A de outros, talvez mais grave, é saber que não temos as suas utopias e não viveremos nosso Woodstock. Os que sonham também erram, errantes que são. Vale parodiar: passa o tempo e como muda o que sentimos. O que antes era utopia vai se tornando outro sentimento. Mas qual? Tédio ou indiferença?

Os organizadores de Woodstock só queriam ganhar dinheiro. Ficaram devendo dez milhões de dólares. O fracasso virou mito. A cultura nunca mais foi a mesma.

 


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