Claudia Tajes: íntima e pessoal

Claudia Tajes: íntima e pessoal

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"Quanto às ferramentas de um cronista, acredito que uma já basta: a própria vida. E é o que basta a qualquer pessoa"

Luiz Henrique Pellanda, autor de "Asa de Sereia" (Arquipélago) ao blog Livros A+

 

Escritora lança o seu primeiro livro de crônicas "Partes Íntimas", nesta segunda, 18h30min, na Saraiva do Moinhos Shopping

 

Por Luiz Gonzaga Lopes

 

Ler Claudia Tajes é um exercício de mergulho em um rio irrigado de humor e aguda observação da vida cotidiana. Posto isso, ler as crônicas desta escritora que sempre nos deixa em êxtase e com um sorriso no rosto a cada livro novo (e olha que foram 10 até então) sempre é uma experiência transcendental. Vamos falar de Claudia, então! É sabido que há uma dialética entre a Claudia pessoa (não confundir com o poeta heteronímico português) e a Claudia autora. Uma é tímida, fala reticente, parece que não quer se sobressair no pessoal em público. Outra é dinâmica, irônica, sarcástica, com um humor acima de qualquer média aritmética, um Luis Fernando Verissimo de saias como muitos já a batizaram. Como acho a pessoa uma coisa querida e isto é uma espécie de resenha-comentário, vamos então a autora que é o objeto destas letras anárquicas. Claudia Tajes lança nesta segunda-feira, dia 14 de setembro, às 18h30min, na Saraiva do Moinhos Shopping (Olavo Barreto Vianna, 36), o seu primeiro livro de crônicas, "Partes Íntimas - Crônicas e Outros Cortes". A partir de um convite do editor da Arquipélago Editorial, Tito Montenegro, Claudia reuniu as suas crônicas escritas em jornal e incluiu dois  apêndices, um com textos que tem um híbrido de conto e crônica e o outro com um poema (vejam bem um poema inédito, "Homem-Bomba").

 

Na obra, estão as peças do quebra-cabeça do íntimo e pessoal de Claudia Tajes. A divisão das partes íntimas de Claudia é feita em Membros, Ventrículo Esquerdo,Hormônios, Calcanhar, Sistema Nervoso e Tímpano. As memórias estão todas lá, a infância, a escola, a família, as paixões, as relações profissionais, de vizinhança, os afetos e vivências com o olhar sorridente daquela que já foi chamada de Poliana na escola, mas não pelos motivos de ser a protagonistas do jogo do contente. Não vou dissecar todas as crônicas, até porque vai ser difícil dividir o prazer de ler Claudia Tajes com vocês. O prazer de lê-la não pode ser descrito, mas posso dar algumas ferramentas a quem já foi fisgado pelo anzol da prosa da autora e a quem ainda está borboleteando sem ter lido nada desta que tem muitos dedos de rica prosa (recomendo inicialmente "Dez Quase Amores", "As Pernas de Úrsula" e "A Vida Sexual da Mulher Feia").

 

Do capítulo Membros, garimpo "O Mais Velho, o do Meio, o Caçula". Vocês já sabem do que ela está falando. A nossa cronista fala do primogênito e do protegido e tratando de falar do esforço que o filho-sanduíche faz para encontrar seu espaço. "O filho do meio, também conhecido por "filho-sanduíche", é um sobrevivente. Tem que encontrar seu espaço na casa onde o primogênito já fez xixi por todos os cantos. O filho do meio precisa lutar pelo seu território a cada manhã". Uma vivência que constata que o caçula sempre será o protegido e que os modelos de família mudaram, não girando só em torno da atenção e do amor da mãe, sendo mais fragmentadas e com menos filhos.

 

Do capítulo Ventrículo Esquerdo, eu poderia içar tantas crônicas, mas me decidi por uma, "Vizinhança" por dois motivos. O primeiro é a nostalgia do tempo em que vizinhos eram uma coisa séria. "Sou de uma época em que as famílias, estabelecidas em casas lado a lado ou cercadas por outros apartamentos, levavam a sério o conceito de vizinhança". O segundo motivo é que para encerrar a crônica, Claudia colocou uma coisa que me une a ela (talvez existam mais). O fato de Paul Auster ser um dos nossos autores preferidos. Para falar de vizinhança, ela lembra que Auster em seu autobiográfico "Diário de Inverno" fez um inventário de todos os seus 21 endereços e que ao comprar a sua primeira casa não conseguiu permanecer lá por muito tempo por descobrir tragédias e inimizades ocorridas lá dentro (quem conhece a literatura de Auster sabe que ele dá muito valor a isto) e também por encontrar panfletos nazistass e um exemplar do discurso antissemita, "Protocolo dos Sábios de Sião" na mesma casa. "Foi demais, Paul Auster não conseguiu morar na casa. Mudou muitas vezes mais e, vai que isso tenha influenciado, hoje é um dos maiores escritores do mundo. Nômades, nem tudo está perdido".

 

Do capítulo Hormônios, vou dar uma pincelada sobre "Quem tem Medo de Dizer Não?". Quem não viu ainda aquele filme "Sim, Senhor", com Jim Carrey que coloca na tela a personificação de uma pessoa que não pode dizer não. No caso da crõnica de Claudia ela fala do sofrimento daqueles que pertencem à ala dos que não sabem dizer não. No texto, ela conta que até emprestou o cartão Renner para um casal de amigos mobiliar o quarto novo pela incapacidade que tinha de dizer não. O resultado já pode ser imaginado. "De lá para cá, melhorei um pouco, mas não muito. Já consigo recusar algumas roubadas, em geral não com um NÃO, mas com uma desculpa esfarrapada que pode ser desmascarada logo ali na frente."

 

No capítulo Calcanhar, me detenho em "A Praga dos Apelidos". Claudia era chamada de Mônica. Não pelo poder da personagem de Mauricio de Sousa, mas por ter dentão e cabelo de cuia.  "No colégio, o apelido arrassa e destrói como bomba de efeito moral". Os Gordos, os Caregas, os Ceguetas, os Lombrigas são todos homenageados pelo seu heroísmo e pela capacidade de conviver com um corpo estranho, o apelido. Claudia mesmo conta que recusou um namorado de escola pois ele pegou piolho e passou a ser chamado de Piolho. "Xarope o primeiro amor da pessoa se chamar Piolho."

 

No capítulo Sistema Nervoso, eu ataco de "Minha Amiga Dona de Casa" para falar da riqueza da prosa e do poder de observação da nossa autora em foco. Ela começa falando de todos os atributos da mulher moderna até... "Mas, na hora em que vê a bagunça na sala, o caos na cozinha e o furdunço nos quarto, você percebe a verdade da qual mulher alguma escapa: você sempre vai ser dona de casa". Daí em diante, a cronista começa a constatar que a casa tem vida própria, que objetos que pareciam inanimados se deslocam para os recônditos (cuecas e calcinhas vão parar embaixo do sofá, a louça volta a ser suja ao menor descuido, isto sem falar na roupa para passar, considerada pela autora uma provação). Ela encerra a crônica, metalinguisticamente, pedindo desculpas por não estender a conversa, mas "tenho uma enorme pilha de roupa para passar".

 

Poderia ficar horas e horas falando das crônicas de Claudia Tajes, isto que nem falei dos apêndices (os contos e a poesia), mas o objetivo é instigar o fraterno leitor e não exauri-lo, pois o que interessa é que o leitor compre o livro de Claudia, compareça à sessão de autógrafos nesta segunda e enfim, o melhor de tudo, se deleite com a prosa sorridente, vivaz e pollyannica (por que não dizer) de Claudia Tajes. Boa leitura! E um PS (post scriptum latino, para quem é mais jovem) a Claudia: Obrigado por alegrar os meus últimos dois dias com estes textos!!!

 

SERVIÇO

LANÇAMENTO DE "PARTES ÍNTIMAS", DE CLAUDIA TAJES

Data: 14 de setembro (segunda-feira)

Horário: às 18h30min

Local: Saraiva do Moinhos Shopping (Rua Olavo Barreto Viana, 36 - 3º piso)

 

O LIVRO

PARTES ÍNTIMAS: Crônicas e outros cortes

Claudia Tajes

Formato: 14 x 21 cm

176 páginas

Preço: R$ 35,00

Editora: Arquipélago Editorial

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