ESTADOS DA LITERATURA - Do líquido ao sólido

ESTADOS DA LITERATURA - Do líquido ao sólido

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viana-moog Vianna Moog. Foto: CP Memória


No Caderno de Sábado, os personagens são Zygmunt Bauman, Vianna Moog e Sinval Medina

Por Luiz Gonzaga Lopes

Dos diversos estados que a literatura pode ter, o líquido é o que mais simboliza a escrita que é produzida no século XXI. Em sua teoria da Modernidade Líquida, o sociólogo polonês Zygmun Bauman nos apresenta a diluição, a volatilidade, o transitório, o imediatismo: "A modernidade "fluída" é a época do desengajamento, da fuga fácil e da perseguição inútil. Na modernidade "líquida" mandam os mais escapadiços, os que são livres para se mover de modo imperceptível". Compreendendo estas sinalizações do tempo do agora, da imagem, dos 140 caracteres, o mestre em Escrita Criativa pela PUCRS, Rodrigo Celente, defendeu na academia a ideia de criar um livro de contos, no qual todas as histórias carregam as marcas da liquidez. Nesta edição do Caderno de Sábado, do Correio do Povo, Celente publica um pequeno ensaio e dois contos que tratam do projeto estético da diluição, da liquidez. Nos contos, está um morador de um apartamento no condomínio Leônia (similar à cidade invisível de Italo Calvino) no qual o "tudo que é sólido se desmancha no ar" consumista de Marshall Berman é posto em seu grau de máxima liquidez e que se desfaz de suas quinquilharias com um clique e com outro clique adquire tudo novamente, chegando até outra história na qual a jovem chamada Suzi quer brincar de ser a boneca Barbie humana. Vida líquida que segue. O estado líquido do tempo sem consequências de Bauman. "Instantaneidade significa realização imediata, "no ato" - mas também exaustão e desaparecimento do interesse", diz Bauman em seu clássico "Modernidade Líquida" (Zahar, 2001). Celente propõe, à maneira de Michel Foucault, que cada um crie o seu itinerário de vida, conteste com palavras, resista contra o mundo que força à obediência ou fique jogado na poltrona com o celular na mão. Ele já levantou da poltrona com estes contos (que devem virar livro) e com o projeto teórico que embasou a sua arguição em relação a estes contos.

 

Se nem tudo que é líquido deve ser aceito, nem tudo que é sólido se desmancha no ar. Há 80 anos, um escritor e ensaísta publicava o seu primeiro livro sob a égide da solidez. Com o livro de ensaios "Ciclo do Ouro Negro", escrito em 1936, Clodomir Vianna Moog dava início a uma carreira de escrita firme, crítica, diversa e consolidada. Em 28 de outubro deste ano, celebra-se os 110 anos deste advogado, jornalista, romancista e ensaísta que foi definido pelo colega escritor Josué Montello como "um sólido gigante de cabelos prateados, riso largo e sadio, que passa, por vezes, muito tempo sem escrever (...) e, de repente, sem qualquer razão externa conhecida, volta aos livros, ao gabinete de estudo, para dali sair com ar de extenuado, carregando calhamaços para seus editores".

Pois nesta edição do Caderno de Sábado, a professora de Literatura da Unisinos, Márcia Lopes Duarte, foca no conceito de Vianna Moog como um homem do mundo, um cidadão brasileiro no mundo, para tratar da visão deste autor que era capaz de vislumbrar e tocar em questões difíceis, sem sair do estado de solidez do seu pensamento, como quando tocou na questão da xenofobia em "Um Rio Imita o Reno", livro de 1939, no qual o tema do isolacionismo e racismo em relação aos alemães, feito no processo de brasilianização, acentuou a arbitrariedade contra os imigrantes, num preconceito tacanho, como se todo os alemães compactuassem com o nazismo. Márcia fala também do Acervo Literário Vianna Moog, cujo tratamento vem sendo realizado pela Unisinos. "Resgatar a obra de Moog e recolocá-la em circulação é de vital importância para o patrimônio cultural do estado do Rio Grande do Sul", afirma.

Na "Teoria do Túnel", de 1947, o escritor belgo-argentino Julio Cortázar já definia o escritor como um homem que apenas encontra fragmentos de si nos livros que lê ou escreve: "Nosso escritor percebe em si mesmo, na problematicidade que seu tempo lhe impõe, que sua condição humana não é redutível esteticamente e que, portanto, a literatura falseia o homem que ela pretendeu manifestar em sua multiplicidade e sua totalidade; tem consciência de um fracasso fulgurante, de um parcelamento do homem nas mãos dos que melhor podiam integrá-lo e comunicá-lo; nos livros que lê, nada encontra de si mesmo além de fragmentos, maneiras parciais de ser (...)". O CS ainda apresenta artigo de Luís Dill falando do seu livro preferido de Sinval Medina: "Memorial de Santa Cruz" e o outro texto de José Carlos Laitano sobre o que deve ser uma Academia de Letras. Boa leitura.

 

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