"Ser mulher é melhor que ser homem"

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CS - Como é a sua preparação para as viagens e a senhora acha que mudou muito a América Latina desde sua primeira grande viagem no fim dos anos 60, retratada em "Viagens - da Amazônia às Malvinas"?

BS - Eu não me preparei para esta primeira viagem pelo Brasil no fim dos anos 1960, que tinha como destino Brasília, pois foi feita com um grupo que tinha espírito livre, revolucionário, marcado pela ideologia. Para as viagens deste livro, eu fui preparada pela minha família, pelos imigrantes espanhóis, sírio-libaneses, judeus, italianos, que vieram a Buenos Aires e à Argentina. Fomos preparados pelas viagens de outros, antecessores.  As minhas viagens foram construídas pelas viagens dos imigrantes. O Brasil era a meca estética do Modernismo, mas o livro comunica esta passagem da completa ignorância a uma espécie de pequeno conhecimento, pois já sabia quem era Oscar Niemeyer, mas Lucio Costa era um desconhecido.  É o que chamamos de bildungsroman, uma viagem de aprendizagem. Aprendia e trabalhava. Não sabia nada antes. Tinha uma ideia que haver uma revolução na América. A viagem pela América Latina nos últimos 20 anos me diz que mudou não no sentido que todos pensavam. Tem uma série de padrões interessantes que a converteram num continente possível, viável.

CS - Qual a sua opinião sobre a situação política do Brasil?

BS - A chegada do PT ao poder na terceira eleição que disputou foi comparável a de François Miterrand, na França, e parecia um momento de sonho para o maior país da América do Sul. Lula tinha uma coisa que nós os argentinos somos afeitos que é um carisma. Você pode construir um político, um religioso, um intelectual, mas nunca dar-lhe carisma. Eu cumprimentei Lula uma vez e o carisma dele estava no toque, nos olhos. Não há sucessão para um carismático. Foi assim com Getúlio Vargas. Chavez era assim. Desde Allende, o Chile não tem líderes carismáticos. A diferença do Brasil e da Argentina é que na Argentina o vice-presidente é corrupto e continua no governo. No Brasil, há instituições como Ministério Público e Polícia Federal que conseguem colocar a mão direita do governo, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, na cadeia. Estas instituições nos dão esperança de algo melhor no Brasil. Queríamos que este exemplo fosse seguido na Argentina. Viajamos abaixo da ditadura brasileira. O Brasil teve abertura política, Collor de Mello, impeachment e vimos o caminho para a sua estabilidade. A estabilidade do Brasil como grande potência está bem.

CS - As cidades são a grande certeza? O urbano não admite mais o campo, o êxodo invertido?

BS - A cidade são os locais onde as pessoas querem viver e irão viver cada vez mais. Não se pode pensar um mundo onde as pessoas renunciem a viver junto às cidades, perto das escolas dos filhos, hospitais, estádios de futebol, diversão. A cidade é o futuro. Vemos em África, que tem cidades gigantescas. Mesmo que nenhum de nós queira viver na África. Por que impressiona tanto São Paulo? Na América do Sul é a única megalópole que mostra como vai ser o futuro, quer gostem ou não goste. Cada vez chego à cidade, estou como em Los Angeles, com o futuro e todos os horrores, misérias, violência, com toda a sua arquitetura, toda a sua vanguarda, seu capitalismo, corrupção. É um grande cenário de lutas sociais e políticas. Viveremos na cidade até o próximo giro civilizatório. Creio que a cidade vai permanecer uma dúzia de décadas. Na minha cidade, quando se reserva uma parcela urbana se constrói um shopping e não se reserva nada para condomínios sociais. Isto não ocorre em Paris ou Berlim, que reservam terrenos para moradias sociais, populares. As cifras de São Paulo são enormes, com a grande quantidade de imigrantes. Minha cidade não cresce. Buenos Aires poderia ter uma política mais progressista neste sentido.

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