On-line e ausente: feira virtual divide bancas participantes

On-line e ausente: feira virtual divide bancas participantes

Ao mesmo tempo que aproxima, evento on-line distancia livreiros e público, impactando nas finanças

Pandemia levou as bancas da Praça da Alfândega para dentro da casa dos livreiros, autores e visitantes

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Sem toldos brancos ao longo da Praça da Alfândega. Sem o olho no olho, o aperto de mão e o contato com os passantes. Sem o rito de preparação e montagem pré-evento e a agitação durante os dias de feira. Neste ano, em virtude da pandemia do novo coronavírus, a 66ª Feira do Livro de Porto Alegre migrou do tradicional ponto turístico da Capital para as casas dos livreiros, dos autores e dos visitantes em busca de novos títulos. O formato on-line do evento impôs dificuldades até então inéditas para algumas bancas e acabou deixando um grande número de expositores fora do evento. 

Em 2019, a Feira do Livro de Porto Alegre contou com a presença de 106 bancas expositoras que, durante os últimos dias de outubro e as duas primeiras semanas de novembro, buscavam se acomodar na Praça da Alfândega, no Centro Histórico de Porto Alegre. Neste ano, o evento conta com apenas 57 bancas, entre pequenas livrarias, editoras e distribuidoras de livros. 

Presente desde a primeira edição da Feira do Livro, em 1956, a Livraria Aurora está entre as participantes da edição on-line do evento. Desde o início da pandemia, já estava comercializando livros de forma remota. Segundo Rosa Luizelli, esposa de Eduardo Luizelli, livreiro mais antigo do evento, durante a feira eram vendidos em média 300 a 500 livros por dia e aos finais de semana os números dobravam. "A feira é uma alavanca para pequenas livrarias e até um mostruário para quem é a livraria e como ela trabalha. O impacto - do evento on-line e da pandemia da Covid-19 - foram bem grandes’’, explica Rosa. O empreendimento segue comercializando os livros de forma on-line, como já estava ocorrendo antes da Feira do Livro. Para ela, é como se o evento não estivesse acontecendo. "Tentamos, valeu entrar para saber se daria certo ou não, mas para nós como livraria não teve venda de feira’’, finaliza. 

Fora da Feira do Livro

Diferente da Aurora, outras livrarias que marcavam presença na Praça da Alfândega durante a Feira do Livro não conseguiram participar. A Livraria Fogaça, de Caxias do Sul, que compareceu pela primeira vez em 2006, não está entre as bancas expositoras do evento, devido à pandemia e o formato digital do evento cultural. "A Feira do Livro é presença na praça’’, define Paulo Roberto Fogaça, livreiro há 38 anos e proprietário do empreendimento. Para ele, participar da feira valia à pena para a livraria, apesar das despesas com transporte, hospedagem e montagem da banca. Especializada em livros jurídicos e literatura, a Livraria Fogaça chegava a comercializar uma média de 300 obras por dia. 

Fogaça explica que a livraria cogitou estar na Feira do Livro em formato on-line e que chegou a participar do curso oferecido pela Câmara Rio-Grandense do Livro para as bancas, mas acabou optando por não levar a ideia adiante. Para o livreiro, não haveria tempo hábil para se adaptar e marcar presença. ‘’É muita tristeza, não é só questão de participar, mas o que tudo isso envolve’’, relata Fogaça sobre não estar fisicamente na Praça da Alfândega durante a Feira do Livro. Entre 2006 e 2014, participou de todas as edições do evento literário. Em 2015, por questões de logística e de deslocamento até a capital gaúcha, a Fogaça não esteve presente no evento, mas no ano seguinte retomou a participação.

Segundo Fogaça, a livraria vendia muito bem durante os dias de Feira do Livro de Porto Alegre, entretanto as vendas foram caindo nos últimos anos. O livreiro atribui o menor número de livros comercializados à concorrência com a internet e com as próprias editoras que contam com seus próprias lojas virtuais. Hoje, apenas Fogaça e a esposa estão trabalhando na livraria, que está aberta ao público. Por trabalhar com livros jurídicos, ele segue visitando alguns clientes do segmento que estão trabalhando. Segundo o livreiro, as vendas durante a pandemia caíram drasticamente, entre 70% e 80%. Fogaça relata que precisou fazer empréstimos para cumprir com os compromissos financeiros e não fechar a livraria. ‘’Muitos ao invés de comprar livros estão procurando o doutor Google’’, afirma. 

Outra livraria que marcava presença anualmente na Feira e acabou de fora do formato virtual foi a Talismã, de Canoas. ‘’É uma lástima muito grande’’, define o gerente do empreendimento, Eduardo Vieira. Segundo o livreiro, a Talismã utilizou as plataformas de auxílio e montagem de e-commerce disponibilizadas pela feira, mas até o início do evento ainda não estava preparada. A Livraria Talismã participa da Feira do Livro de Porto Alegre desde 2016, mas a relação entre o Eduardo e o evento vem de outra geração. Seu pai, Evaldo Silva, foi o fundador de inúmeras feiras pelo Estado. Estreou na Praça da Alfândega em 1983, com a Livraria Partenon. Vieira conta que nasceu no meio dos livros e, vendo seus pais trabalharem com o setor, tomou gosto pelo negócio.

Novas oportunidades 

Diferente de bancas que chegaram a Feira do Livro antes da pandemia e tiveram a oportunidade de fazer a sua estreia com a presença do público, a Elefante Letrado participa pela primeira vez do evento neste ano atípico. O projeto está associado à Câmara Rio-Grandense do Livro desde 2016 e é a primeira plataforma digital de leitura para estudantes do Ensino Fundamental. 

Para diretora-executiva do Elefante Letrado, Mônica Timm de Carvalho, a participação não se resume ao formato on-line. “A pandemia rompeu com as barreiras que a comunidade tinha como regra para o mundo digital. À medida que conseguimos passar por esse momento, vimos a tecnologia se potencializando também na Feira do Livro”, explica. Com um contato maior com esse novo mundo, a leitura viu no digital um grande aliado. “Nesse sentido, o evento só está coroando a ideia da convivência pacífica entre o livro físico e o livro digital”, afirma.

Mesmo com uma proposta diferenciada, é inegável que a ausência da presencialidade na Praça da Alfândega, um tradicional reduto do livro e da cultura em Porto Alegre, impactou. Não existem mais pessoas transitando pelas bancas, conversando, tomando café, assistindo palestras, encontros e eventos. Para Mônica, a falta de tudo isso é uma grande perda. “A gente se ressente por isso. A nossa participação vem sendo muito tímida, porque a cultura se alimenta da vida presencial”, relembra.

Outro fato que está fazendo a diferença para a plataforma é a falta do contato com seus principais clientes: as crianças. Elas, normalmente, são atraídas por cores, imagens e gostam de ter o contato físico com as obras. Em um formato totalmente digital, a estratégia foi impactar as famílias. “Queremos mobilizá-las sobre sua responsabilidade no sentido de ajudar na formação desses novos leitores. A leitura não é responsabilidade única da escola, tem todo um caldo cultural que precisa ser feito. Essa inspiração começa na família”, conta Mônica. A saída foi trabalhar essa necessidade do contato das crianças com a literatura através das redes sociais e assessorias de imprensa, buscando por um olhar atencioso para as crianças não perderem o vínculo com a literatura.

Fernando Costa / PUCRS
Flávia Pereira de Pereira / PUCRS
Jean Luca Coimbra / Feevale)


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