É normal?

É normal?

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Faz parte da nossa condição humana buscar respostas para o que nos inquieta. E essa inquietude, então, se transformar em questionamentos, numa busca constante que leva à reflexão e, quem sabe, novos caminhos. Melhores ou não. Mas novos. Nada mais natural como atitude no homem que se vê, de repente, perdido na complexidade do universo que mal compreende, intrigado até mesmo com a multiplicidade e imprevisibilidade do seu próprio ser. E quando passeamos pelas principais notícias policiais destes últimos dias, nos perguntamos, quase que de forma automática: é normal?
É normal uma menina de apenas sete anos de idade caminhar quilômetros para ir à escola, como no caso de Caxias do Sul? É normal que num país onde mais de quarenta mil crianças desaparecem todo ano, que tem o quinto pior índice de violências diversas que vitimam crianças e adolescentes, um país onde o direito ao transporte público é assegurado, uma família mandar uma criança, ainda despida das defesas necessárias à selvageria urbana, sozinha para a escola por não ter condições financeiras?
É normal ex-namorados encomendarem a tortura e morte de um rapaz pelo banal motivo do ciúme, que é sempre possessivo e louco? É normal que uma mãe forje seqüestro de filho para extorquir o pai da criança? É normal a polícia desbaratar um mega esquema de bandidos organizados para matar policiais e autoridades que afrontam seu poder paralelo, como se o estado vigente fosse o seu império de crimes, roubos e tráfico de drogas? É normal que crianças sejam esquartejadas e não apareça um pai, uma mãe, um familiar reclamando suas ausências? É normal que um homem seja executado a tiros por um mero e absurdo engano, dentro do ônibus que o levaria de volta ao lar?
É normal que se execute a tiros uma vereadora, eleita pela voz de suas lutas, pela parcela de povo que representa, justo na tal cidade maravilhosa que outrora cantamos? É normal que se use a sua morte para um oportunismo rasteiro e visceral de radicalismos políticos, de cá ou de lá, e se torne isto um mero ornamento de discursos em ano eleitoral? É normal que tratemos uma morte como objeto, em vez da dor complexa e densa que toda morte traz consigo, do momento pesar e respeito que qualquer agente público, dedicado a uma comunidade, seja ele policial ou político, merece? Que qualquer cidadão comum, mesmo anônimo merece? É normal que se desrespeite tanto um ser humano e seus familiares? É normal que a intolerância não tenha mais qualquer medida e se torne moda em redes sociais, instigando o ódio simplista, o enfrentamento gratuito, a necessidade de dar o último berro que agride o outro? Não sei. Fico inquieto com o que está sendo tratado como normal. E com a ausência de reflexão sobre isto.

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