A hipócrita distância entre a teoria e a prática

A hipócrita distância entre a teoria e a prática

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O carro passa pela faixa de segurança, em frente à escola, sem parar e quase atropela um menino. Depois dobra à direita sem acionar qualquer sinal de pisca e vai, acelera, cruza o amarelo lá adiante, onde minha visão o alcança pela última vez. Um pouco antes da primeira tropelia, o adesivo no seu vidro me chamou a atenção: "sejamos mais humanos". Ah, tá.

O que é ser mais humano? É colar um adesivo fingindo ser gente boa e acabou?

Belos discursos e práticas muito diferentes. Eis o que mais vemos por aí.

Lembrei, com este exemplo, de um sujeito que cheguei a considerar amigo, mas que se revelou assim que o destino colocou uma determinada situação entre nós. Ele se dizia esquerda, defensor do partido tal e da presidência xis, únicos a fazer algo pelo "povo", segundo ele (não sei se já sabia das empreiteiras, mas todos sabiam desde sempre sobre essas farofadas políticas, certo que ele também sabia). Mas também era dele a frase "não saio de casa por um cachê menor que setecentos reais". Ou seja, um trabalho social, uma ação gratuita em escola pública em nome disso que chamamos "transformar", jamais. O negócio era ganhar grana, vender seu produto. Como socialista, era e sempre será um belo capitalista. Seu umbigo, seu reinado. Nada além.

Hipocrisia.

A cada ano eleitoral, ouvimos os mesmos discursos prontos, clichês enfadonhos, promessas repetidas. Ninguém mais presta atenção por um motivo bem simples: a esmagadora maioria dos políticos e partidos brasileiros diz uma coisa, faz outra. E todos repetem os mesmos discursos. As palavras da esquerda são iguais às da direita. As práticas nocivas também. Por isso não creio em esquerda e direita no Brasil. Não sei se creio em esquerda e direita nalgum lugar.

Creio em seres humanos e suas imperfeições. Na sua boa vontade ou falta de. E aposto sempre na presença dessa hipocrisia fácil, marqueteira, com que desfilam belos discursos, sempre desfeitos em práticas asquerosas de seus mínimos gestos cotidianos.

Mas há quem seja exatamente o que diz. Sem ser monge ou CDF, não é isso, mas apenas coerente. Até na banalidade da vida a coerência é um ato de extrema coragem.

Não basta querer um mundo melhor. Não basta falar num mundo melhor. É preciso pensar e agir muito melhor do que se costuma fazer.

 

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