A sempre envenenada cocaína

A sempre envenenada cocaína

Oscar Bessi

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Ao menos 20 pessoas já haviam morrido e dezenas de outras estavam em condições preocupantes nos hospitais de Buenos Aires, capital da Argentina, quando o portal do Correio do Povo noticiou, esta semana, o que pareceu assustador para muita gente. Cocaína envenenada havia entrado no mercado consumidor de drogas dos nossos hermanos. Autoridades, tanto da área de saúde como de segurança pública, entraram em polvorosa. O próprio secretário de Segurança da Província de Buenos Aires, Sergio Berni, pediu que quem tivesse comprado drogas nos últimos dias, jogasse todo o produto fora. Era um apelo de alguém que sabe perfeitamente que, infelizmente, o número de usuários, em estágio de vício ou não, dessa droga atinge cifras praticamente incontroláveis. Por todo o planeta. Como diz Roberto Saviano, no implacável livro “Zero Zero Zero” - onde desnuda o bilionário tráfico de cocaína - perto de cada um de nós, seja na família, no trabalho ou nas relações sociais, muitas vezes sob a máscara de alguém respeitável, há consumidores desta droga. A cocaína está por todos os lados. 

Pode ser que a droga argentina que causou esse elevado número de mortes tenha sido, mesmo, batizada com algo mortífero por traficantes rivais. Num meio onde matar é costume, seria um jeito novo de guerrear. Agora, é sempre bom deixar bem claro aos amigos e simpatizantes da cocaína que ela, em si, quando chega aos usuários, já é puro veneno. Que ela é diluída em diversas substâncias, todos nós já sabemos. Acontece que a chance de se lucrar cada vez mais, nesse mercado funesto, levou os narcotraficantes a incharem o pó com ainda mais porcarias. Bicarbonato de sódio e farinha de arroz branco, para dar volume, nem são nada. Já na largada, na extração das folhas de coca, eles misturam gasolina e cimento. E pesquisas da Seção de Toxicologia e Análise de Drogas do Departamento de Medicina Forense da Universidade Aarhus, Dinamarca, mostraram o elevado índice de levamisol. Um veneno para matar vermes e parasitas. Pois é. E uma das consequências disto é a possível necrose que acomete usuários, desde 2006, principalmente no nariz e orelhas.

E a benzocaína, substância anestésica que talvez seja a maior parte de cada composto do produto final, também vicia. Estudos mostram que incontáveis usuários são dependentes químicos da benzocaína, e não da cocaína, sem saber. A droga vendida aos usuários em seus níveis mais puros, como aos consumidores mais abastados da Europa, fica em torno de no máximo 20% de cocaína. O resto é benzocaína, tudo isso que citei acima e muito mais. A benzocaína pode causar reações alérgicas graves e dificuldades extremas para respirar, além de inchaço na boca e na língua. Então, com tudo isso, que fique bem claro: os argentinos não envenenaram a cocaína. Ela, no fundo e na essência, sempre foi muito envenenada. E venenosa. Eles só fizeram aumentar, a um nível imediatista, a fúria da sua sempre possível letalidade.  


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