Almas doentes

Almas doentes

Oscar Bessi

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Acusações de abuso sexual envolvendo famosos não são novidade. Novidades são as condenações. Até pouco tempo atrás, pouco se ouvia sobre as reais consequências penais dos atos de violência supostamente praticados contra mulheres. Aliás, era cultural partir do princípio que as vítimas não eram as violentadas, mas sim os acusados. Como no famoso “escândalo de Berna”, envolvendo quatro jogadores brasileiros e uma menina de 13 anos, na Suíça, em 1987. Gerou comoção até o mês que os atletas passaram presos por lá. Foram condenados naquele país, mas ficaram por aqui, não cumpriram a pena e, no fim, deu em nada. As vozes correntes eram de que a menina quis tirar proveito da fama e da fortuna dos jogadores e tudo foi consensual. Bom, ela tinha apenas 13 anos e, ao que consta no processo, só queria autógrafos. Mas até pode acontecer, num caso ou outro, que exista a tal armadilha para arrancar dinheiro fácil. E ouvi de vários amigos que o caso Robinho era uma dessas histórias mal contadas. Mas a revelação das conversas obtidas pela justiça italiana tirou qualquer dúvida. 

“Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”, diz o jogador, numa conversa revelada com um dos seus amigos. Talvez esta frase tenha chocado até o maior fã do seu futebol. Revela desprezo, deboche, arrogância e uma gigantesca falta de respeito pelo ser humano, pela mulher, pelos limites violados no ato desprezível que foi praticado. E praticado de forma consciente, aproveitando-se do fato de ela estar bêbada e fora de seu juízo, pelo menos é o que fica claro nas conversas. “Eram cinco em cima dela”. Que horror! Compreensível o silêncio e as lágrimas da moça no tribunal. E a justiça italiana não foi flexível. Assim como a brasileira, no caso Abib Maldaun Neto, cuja fala também soa debochada quando afirma à juíza que introduzir dedos na vagina das pacientes e tocar seus clitóris era “procedimento médico de rotina”. De um nutrólogo? Vai ter que cumprir 18 anos e seis meses em regime fechado por abuso sexual. Claro, ainda cabe recurso.

Quero crer (não sou psicólogo) que o desejo seja componente essencial do ser humano acima de qualquer cultura, dogma, tabu ou crença. E que a busca do prazer tenha essa capacidade de estimular nossos instintos mais animais. Mas, também, que o sexo como profissão talvez exista desde que a civilização humana herdou o planeta dos dinossauros, numa percepção quase instintiva de que, se poderia ter conflito nessa relação efervescente entre corpo e alma, razão e querer, vamos encontrar uma saída. Pois, nesses entremeios, há tara, repressão, fetiche, violência e psicopatia. Porém, o que sempre me deixará intrigado, e até indignado, é o que leva sujeitos com plenas condições financeiras para aliviarem suas libidos descontroladas em profissionais do ramo, a praticarem atos deliberadamente violentos contra quem não quer, ou ainda nem sabe querer. O que os leva a estragarem vidas para sempre. De mulheres, de adolescentes, de crianças. Que se puna. E que se cumpram as punições. Mas que também se trate essas almas doentes.


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