As mesmas pedras

As mesmas pedras

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Com frequência, leitores do Correio do Povo me enviam por e-mail relatos de situações de violência que vivem em seus cotidianos. Assaltos, momentos de pânico sob a mira de bandidos que, definitivamente, não se sabe mais se são ladrões ou assassinos, pela imprevisibilidade do seu comportamento. Todos os dias, e noites, um sem-número de sujeitos sai às ruas com o único objetivo de roubar celulares, carteiras e outras minúcias. Os alvos são sempre semelhantes. A forma de ataque é que se torna cada vez mais violenta. E não dá mais para sustentar o chavão “morreu porque reagiu”, discurso típico de quem está longe da realidade das ruas, mas talvez ache que ainda consegue disfarçar seu descaso ou incompetência frete ao que acontece com a população de nossas cidades. Não. Essas pessoas atacam fora de um estado normal de consciência. São capazes de tudo.

Dia desses, um jovem me narrou o comportamento alucinado de um assaltante, à noite, entre terminais de ônibus. Exigindo celulares e dinheiro sob a mira de uma faca. De repente ele cortou o braço de uma menina. Por nada. Dias antes, outro leitor também havia me narrado sua quase entrada para o mundo das estatísticas das vítimas urbanas. Aí, esta semana, assistimos o cenário de guerra em que se transformou a cracolândia de São Paulo. De novo. Em 2013, quando fiz uma turnê na capital paulista com meu livro juvenil, justamente sobre este tema, fui lá ver de perto aquele cenário decadente. E é ridículo admitir que, mesmo após tantos anos, a cracolândia esteja cada vez mais forte como um nicho do caos. E isso no seio da maior economia brasileira.

O Brasil já passou dos dois milhões de usuários de crack. Uma triste liderança mundial. E eles estão aí, pelas ruas, assaltando, matando ou esperando a hora de morrer, sendo presos e sendo soltos, sendo internados e raramente se recuperando. Quando essas pedrinhas chegaram aqui, nos anos 80, não se deu qualquer importância, afinal só matava pobre e morador de rua. E mesmo depois de tantos anos, e da avalanche que virou este problema a ponto de raros os cidadãos que não foram por ele afetados, direta ou indiretamente, não se vê nada de concreto para mudar o cenário. Quando teremos um protocolo público nacional que atenda esta imensa população afetada, seja pelo vício ou pelos crimes em nome dele cometidos? Todo dia, um jovem viciado é preso por roubo e é solto, em seguida, e isso se repete dezenas de vezes sem que a engrenagem pública mexa um dedo sequer para resolver a sua situação, ou a do entorno por ele afetado. Nenhuma ação concreta ou mudança legal, só enrolação. Só não é pior graças a alguns cidadãos comuns, resistentes, com seus trabalhos de formiguinha para mudar isto. Mas isolados. E às polícias resta o papel da vassoura teimosa: varrer a contra o vendaval e ver tudo voltar ao mesmo lugar, instantes depois. Desanimador.

 

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