Caveiras e pokemons

Caveiras e pokemons

Oscar Bessi

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Há uns 20 anos, decidi fazer um curso de pós-graduação em Psicologia Organizacional. Havia mudado o meu plano de carreira e estava na geladeira das promoções por conta de umas pedras no caminho (que policial, do front, não tem?). Reverter uma certa fama de rebelde, entendendo melhor as pessoas que me cercavam, me parecia um caminho. Uma de minhas pesquisas foi o perigo dos estereótipos. Os rótulos. Afinal, eu era um animal de outra fauna em sala de aula: único homem, policial militar de Alvorada, em meio a psicólogas, empresárias, médicas e professoras, e as perguntas que elas me faziam eram embaraçosas. Foi quando conheci trabalhos científicos sobre o efeito das comédias, como “Corra que a polícia vem aí”, na desconstrução de uma imagem de severidade que flertava com a prepotência. A Brigada Militar havia incorporado a polícia comunitária como modus operandi e filosofia institucional e, embora a maioria dos PMs já tivesse essa postura, mesmo que de forma empírica, eu achava o máximo aquela ideia de quebrar o gelo e policiar junto.

Rótulos sempre me incomodaram. E nem sempre reagi a essas situações com muita paciência. Imaginem um sujeito que, em serviço, adorava estar junto com as equipes na correria contra a bandidagem, mas nas horas de folga se metia a poeta e escritor. A confusão estava feita. Na cabeça dos outros. Foi assim que, nessa época da pós, lancei um livro de crônicas de humor sobre o cotidiano policial. Eu quis mostrar a um oficial mineiro, que ganhou grande mídia com seu livro, que dá para fazer humor sem humilhar os “subordinados” (expressão militar que nunca gostei, pois somos todos iguais, apenas em posições e com responsabilidades profissionais diferentes). Tá, meu livro não ganhou mídia. Mas o fato de ter em sua feitura as mãos da minha amiga jornalista Mariú Delanhese e as ilustrações de um artista de rua da praça da Alfândega, já me valeram muito. E quebrei muitos gelos com ele. Era o objetivo.

Tudo isto contei porque, naquela época, um professor, ao saber que eu era PM, perguntou se eu conhecia a piada da competição internacional das polícias. Eu conhecia, mas respondi que não. Mesmo assim ele contou para a turma. Um policial americano, um inglês e um brasileiro foram à final do torneio e deveriam localizar um coelho desaparecido na floresta. Enquanto os outros usavam tecnologia, inteligência etc, o brasileiro reapareceu em tempo recorde com um javali espancado confessando “em sou um coelho!”. Óbvio que a piada me desagradou. Coisas assim rotulam e ignoram a grande maioria anônima de policiais corretos que atuam todos os dias neste país. Hoje, nós, gaúchos, nos acostumamos com a excelência policial e seus resultados magníficos. Nossos “caveiras” urbanos e rurais, civis e militares, dão aulas diárias de segurança pública e integração comunitária. Aí, a polícia de Los Angeles (EUA) vira notícia mundial, pois dois policiais não foram atender a um assalto porque preferiram caçar pokemon. De viatura. Um jogo virtual e bizonho. E agora? Atualizaremos a piada? E também os rótulos?


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