Celular, vício fatal

 

Eu não sei exatamente o que acontece com vícios. Não sou psicólogo. Eu me entreguei a poucos na vida, talvez algumas experiências efêmeras, bengalas oportunas para tantas incertezas temporais. Mas meu receio à dependência, creio, veio de ter que me virar sozinho, ter que escavar minha estrada para existir alguma opção ou espaço, então precisei optar pela sobrevivência quando a fuga ou a diversão, pura e simples, também eram opções. Sedutoras. Ao me negar a entrega ao prazer por si só, eu me perguntava sobre o depois, “coisa de pobre”, brincava um amigo. Nada disso. Entregar-se ao prazer é muito humano. Ser vencido pelas pressões da vida também. Derrota é renunciar definitivamente à felicidade. Só que nenhum vício leva à felicidade concreta, eis um fato.

Dia desses, numa esquina, a jovem motorista para seu carro de um jeito estranho. Meio atravessada, com pressa, penso na hora que pode ser um carro roubado, ainda que raramente mulheres pilotem veículos nesse tipo de crime – crimes e violência, aliás, ainda seguem muito masculinas. Ela baixa a cabeça. Passa mal? Ao chegar ao seu lado, tenho lhe chamar a atenção, ela ignora. O sinal fica verde, ela tranca o trânsito em duas pistas e não me ouve, não vê nada, apenas encara o aparelho de tela luminosa na mão, onde digita algo com os dedos que deveriam estar no volante. E seus olhos e lábios sorriem por conta de alguma mensagem no smartphone. Buzinas protestam. Outros motoristas se impacientam. Um se atravessa de repente e quase uma colisão acontece. Ela só então ouve buzinas e gritos, xinga para os lados e arranca. Vai repetir o ato em outra esquia, sob outro semáforo, tenho certeza. É vício. É febre incontrolável.

Lembro-me de um amigo que pediu sugestões para uma rifa, ou algo que lhe dê de imediato o dinheiro que não tem para pagar os estragos do seu carro. E também a caminhonete caríssima de um outro sujeito que vinha na estrada, na pista contrário, que ele invadiu ao olhar o celular, checar rede social, ansioso pela mensagem de um “affair”. Deu de frente, graças a Deus sem feridos graves. Penso no quão comum anda isto no nosso trânsito. Gente demais morrendo e matando, sendo atropelada e causando tragédias graças ao vício em smartphones. Em redes sociais. É dirigir e digitar mensagens, pedalar e ler com pressa de responder algo que poderia, com certeza absoluta, esperar. O vício nos celulares e redes sociais cresce, faz milhares de vítimas no trânsito e no cotidiano das pessoas. Mas já – ufa! - tem tratamento especializado. Inclusive em Porto Alegre. O problema, ainda, é a pessoa aceitar, entender o perigo para si e para tantos e buscar essa cura. Dificuldade de todo vício. E se você olha muito o seu celular durante seu cotidiano, preocupe-se. Há uma arma engatilhada em suas mãos. Que ou você ignora, ou curte e compartilha.