Crime e absolvição

Crime e absolvição

Oscar Bessi

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Recebi inúmeras mensagens de leitores da coluna, nos últimos dias, sobre um julgamento ocorrido esta semana. Alguns protestando, alguns aplaudindo, outros até perguntando se este colunista acha justo o que aconteceu. O caso é de uma mulher que, segundo consta, e pelo que foi noticiado, após ter sido vítima de violência física e psicológica por anos a fio, matou o marido. O problema é que não foi um crime qualquer. O companheiro teria sido dopado com tranquilizantes e depois jogado numa fornalha de fumo ainda com vida, onde queimou por três dias. Os peritos do IGP deram uma aula sobre a eficiência da perícia gaúcha. Juntaram nada menos do que 14 kg de cinza e carvão para comprovar que, sim, ali havia sido queimado um corpo humano. O caso, é claro, choca desde que aconteceu por todos os seus componentes. E o resultado do júri popular, não com facilidade e nem por unanimidade, foi de quatro a três, absolveu a autora do crime. Foram mais de treze horas de um julgamento difícil. Mas a decisão não deixou nada satisfeito o Ministério Público do RS, que irá recorrer. Enquanto isso, após praticamente um ano presa numa penitenciária feminina, a autora, que afinal das contas é uma mulher ainda jovem, com menos de 40 anos, foi solta e voltou ao convívio familiar. Aos filhos.

Gosto de deixar claro aos que exigem posicionamentos sempre unilaterais, que esta necessidade de ceder à polarização não me seduz. Em nenhum tema. Sou adepto da teoria do caleidoscópio. Usei esta imagem em meu primeiro livro juvenil. Há diversas formas de se olhar, e interpretar uma mesma cena, um mesmo fato, um mesmo acontecimento. Ficar preso a uma só ótica é namorar com a boçalidade. Já deve ser extremamente difícil aos que têm a obrigação de julgar seus semelhantes, de determinar o que há de culpa e inocência em tudo o que ocorre. Sobre o caso em questão, nem se fala. Há uma série de componentes dramáticos que, em um primeiro momento, e numa análise muito superficial, despertam argumentos acalorados em defesa ou atacando a autora do crime. A questão é que falamos de seres humanos. Quem morreu, quem matou. Quem sofreu e quem se vingou. Quem fez, quem pagou e o quanto pagou pelo que fez. Simples? Nunca. Nada humano é simples.

O quanto nos adoece viver sob ameaças, dormir e acordar sob terror, à mercê de agressões, de violência seja lá de que tipo for, só quem passou por isto pode dizer. Então jamais será justo discursar sobre o exagero numa reação. Seres humanos são assim. Reagem. Com mais ou menos frequência, mais ou menos intensidade. Agora, matar alguém pode ser considerado justo? Chegar nesse extremo que direito algum nos permite, ainda mais em tempos onde diversos mecanismos de proteção social se anunciam ativados? Bem, aí precisamos olhar para a credibilidade de certas instituições. Os efeitos quase nulos de tantas leis descumpridas. E teremos uma noção de que para muitos certos caminhos não significam a mesma coisa. Esse descrédito também será, sempre, um fomentador da violência extrema.


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