Crueldade contra idosos

Crueldade contra idosos

Deste evento chocante, que nos embrulha o estômago, ficam duas percepções. A negativa, de como o ser humano sabe ser cruel com seus semelhantes quando o foco é apenas lucrar. Já a conclusão positiva é que, quando o Poder Público mostra união, integração e vontade, a justiça é feita a pleno e a cidadania valorizada.

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Crueldade contra idosos

 

A foto de Ricardo Giusti, no Correio do Povo da última quinta-feira, revela o misto de assombro e consternação de policiais e agentes do SAMU ao amparar vítimas de atrocidades. Uma operação conjunta fechou uma clínica clandestina em Porto Alegre e resgatou idosos que vivam em condições degradantes. Eles eram humilhados, não eram alimentados corretamente e, no vidro de seus remédios, os nomes dos pacientes estavam trocados. Essa crueldade pode ter deixado pelo menos duas pessoas mortas nos últimos dias. Deste evento chocante, que nos embrulha o estômago, ficam duas percepções. A negativa, de como o ser humano sabe ser cruel com seus semelhantes quando o foco é apenas lucrar. Perversidade no mais alto grau. É a lógica de ação que também move traficantes, assaltantes, exploradores de menores e bandidos. Já a conclusão positiva é que, quando o Poder Público mostra união, integração e vontade, a justiça é feita a pleno e a cidadania valorizada. Foi o que demonstraram a Polícia Civil, os órgãos de fiscalização da Prefeitura de Porto Alegre, o Samu e o Ministério Público.

Desse triste episódio, há que se destacar o posicionamento firme da secretária municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, Nádia Gerhard. " Quero ir atrás dos parentes dos idosos que estavam aqui. Isso não pode ser assim. Há muita negligência", declarou ao Correio do Povo, indignada. Penso que, nesta hora, sua vida inteira como policial falou mais alto, inquietando seu senso de busca constante pela justiça, pela compreensão da dor dessas vítimas, pela responsabilização dos criminosos. E ela tem toda a razão. Quem coloca seus idosos numa clínica dessas? Quem joga seus pais, mães, avós e irmãos em condições degradantes como se fosse lixo? Esses familiares, que talvez quando crianças foram criados e amparados por esses idosos, são tão cruéis e criminosos quanto os donos desse lugar.

Este tema me inquieta e me emociona. Quando meu pai aguardava a morte, num leito de hospital, certa vez ficou muito constrangido porque o carreguei no colo para o banheiro. Creditei a um raro lampejo de lucidez e brio. Argumentei, ele tinha feito muito isso comigo quando eu não sabia caminhar, então não me custava nada retribuir. Ele chorou. E meu velho era um homem duro, de não demonstrar emoções. Quando ele se foi, me culpei pelas falhas porventura cometidas que talvez o permitissem ficar mais algum tempo neste plano. Francamente, três décadas de vida neste trabalho policial não me fazem entender ou aceitar a crueldade gratuita que alguns conseguem ter com outros seres humanos. Ainda mais se são seres mais fragilizados, que não podem se defender, como idosos e crianças, que deveríamos amá-los mais do que todos os outros.


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