Golpes

Golpes

Oscar Bessi

publicidade

Lembro que quando saí do Interior para trabalhar em Porto Alegre, no final dos anos 1980, descobri da pior forma possível que a arte (por vezes secreta, em outras até belicosa) de certo tipo de comércio não era, definitivamente, um talento que me pertencia. “Esse teu jeito de guri que não quer incomodar e trava sem saber mentir, não dá. Sujeito pra se dar bem na cidade grande tem que ter alma de urubu em capa de andorinha”, dizia um colega de faculdade. Mesmo assim, tentei. Vendedor de um plano de saúde do qual nunca mais ouvi falar, de um curso de inglês que igualmente desapareceu e outras desventuras. De todos fui mandado embora sem ter tempo nem de assinar a Carteira de Trabalho. Desolado, me enfiava nos fliperamas do Centro para ver se encontrava meu eu numa curva do Out Run. Só dei certo, mesmo, vendendo cachorro-quente, e porque era eu que fazia. Já para comprar, eu era desconfiado desde sempre. Talvez por isso tenha demorado uns bons dez anos para ter o meu primeiro carro. E nem fui eu quem comprou. Ou teria demorado outra década.

Infelizmente, o mercado de bens que nos cerca é recheado de golpistas. Eles partem do princípio de que somos todos seres incentivados ao consumismo desde a tenra idade. Queremos ter. Ter mais. Ter melhor. Ter e ter, custe o que custar. Presas famintas, presas fáceis para as arapucas. E, por mais que crises econômicas abalem nosso país com uma frequência sádica, grudadas no nosso cotidiano, chaga sem cura, comprar hoje anda fácil, pelas tecnologias disponíveis, pela descartabilidade dos costumes e, principalmente, pela qualidade dos bens, feitos para durar quase nada e serem substituídos o mais breve possível, ou pela facilidade em se conseguir um financiamento numa das milhares de instituições financeiras por aí. Um carro, por mais que o seu charme tenha, digamos, caído alguns degraus na direção da vulgaridade, continua sendo um desses símbolos consumistas mais procurados. E é justamente aí, em alguma fresta entre a facilidade de adquirir e a intensidade do querer, que os criminosos penetram no nosso meio feito alegres baratas e fazem a festa. Está aí a operação Automarket, deflagrada no Rio Grande do Sul esta semana pela Polícia Civil, para comprovar.

O interessante é que, nos golpes desta organização criminosa que foi desarticulada, não havia o preço muito abaixo do mercado, algo que tradicionalmente faz brilhar a ganância dos espertinhos e alimenta a cadeia criminal. Não. O grupo movimentou mais de R$ 1 milhão vendendo carros, roubados ou furtados, com placas clonadas, como se fossem limpos. Tabela FIP e tudo mais. Parecia dentro dos conformes. As vendas ocorriam pela Internet e o dinheiro era lavado em um supermercado do grupo. Essa sofisticação no detalhe da enganação deixa o alerta. Nem tudo que parece honesto, é. Nosso desconfiômetro deve estar sempre ligado na potência máxima. Tá, todo vendedor, honesto ou não, é alguém bom de lábia (coisa que sempre me faltou). Mas ficar com os dois pés atrás é, cada vez mais, apenas nossa obrigação. Não tenha vergonha de ser desconfiado. Confira. Espere. Pesquise. Para muitos ainda é difícil demais juntar para ter algo. Mas o risco de perder, fácil assim, é sempre trágico.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895