Ideologia Feita em Casa 2 – o Neoliberalismo
publicidade
A menina irrompeu na sala com a intensidade de um tsunami, fazendo voar o jornal que o velho tinha nas mãos. Isso é coisa que se fale quando se está calculando as chances do Inter ganhar o campeonato? E da série B?
- Como é que é?
- Privatizar, pai. Vou me terceirizar. Em tudo.
- Tudo?
- Tudinho.
- E o que é tudo, tudinho?
- Qualé, pai. Você não tinha dinheiro nem pra me dar um livro do Juremir. Quer saber pra quê? É o seguinte, quero ir no show do Paul McCartney.
Paul McCartney? Ele ia explicar outra vez. Nada de aumento no salário, mais a prestação do carro, o IPTU, IPVA, dietéticos da mulher. Não dava.
- Pai. Todas as minhas amigas vão.
- Não a Aninha. Encontrei com o pai dela ontem.
- Tá, quase todas.
- A Clara também não vai.
- Ah, pai. Não amola. O assunto é outro. Tua administração faliu, teu estado tá quebrado, então quero a minha emancipação. Vou me oferecer ao mundo, me transformar em mercados e serviços.
- Oferecer ao mundo? Serviços?
- Nada demais. Fica fréu.
- Não dá, você só tem dezessete.
- Grande coisa. Com dezessete, o lama Kyabje Jamyang já recebia seus tantras.
- Quê? Quem?
- Nada, nada. Pai, você é o meu Estado. Meu dono, meu administrador. Só que não consegue mais atender minhas demandas, mal me garante os serviços essenciais. Só resta me privatizar.
- Filha, tem gente que já privatizou tudo o que podia e olha no que deu. E a especulação dos lobos? Quem te protege contra isto?
- É o risco ou a inércia. Pai, minha cultura pessoal pode ser oferecida aos investidores. Eles pagam o show, eu devolvo com minha admiração e divulgação entre os amigos.
- Ha-ha! Boa, esssa.
- Minha aparência também. Serei um mostruário ambulante da moda, por exemplo.
O pai começou a recolher o jornal. Até ali, tudo bem com a privatização. Mas resolveu perguntar. E a alimentação, moradia, cursinho? Também dava pra botar no pacote?
- Ô pai! O Estado não pode abdicar de tudo, né. Aí, são as garantias básicas da cidadania, né. Educação, saúde, segurança. O que não dá lucro, é contigo.
- Ah. Imaginei.
- E tem mais. Meu corpo não pode ser só coisa pública, né? Porque se for totalmente, eu...
- Tá, filha, tá! Quanto esse maldito ingresso?