Lá na Bizarreia

Lá na Bizarreia

Oscar Bessi

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O povo da Bizarreia chora. De novo. Na verdade, nunca parou de sofrer. A Bizarreia é um lugar muito, mas muito distante, na fronteira entre o impossível e o inacreditável, e nem sempre se chamou assim. De bela natureza, quando sob domínio apenas de seu povo nativo era conhecida como Calmaria. Havia equilíbrio, por lá. Na relação entre homens e natureza, pelo menos, que entre homens e homens, é difícil. Mas não era um povo bélico. A imensidão das matas e das águas os ensinava a usar a racionalidade de uma forma, digamos, mais sensata. Aí vieram os depredadores. Eles e sua ganância. E sua arrogância. E sua tal civilização, ou progresso, movida a ouro, escravidão, morte e desrespeito. Aí, desandou a tapioca. E a República da Bizarreia herdou essas práticas de autoenvenenamento oficial. “Não há pão? Dê ao povo chá de carqueja e diga que estão gordos”. Criou-se o direito da fome. E a teoria do inverso. Brabo. Não há o que fazer pela Bizarreia. Ninguém quer nem guerra com a Bizarreia. Porque ela bombardeia a si mesma, todo dia. 


Pois que, nesse lusco-fusco tresloucado, que acende e apaga as esperanças de seu pobre povo a todo instante, o clã-maior-dos-doutos (lá, gostam de ser chamados assim), preocupados com a violência irrefreável, determinaram: matemos os cães, todos, assim não teremos mais pulgas. Uau! Aproveitaram a deixa e determinaram que nenhum policial pode mais abordar sem uma prévia autorização judicial que justifique seu gesto. Nada de índices de criminalidade estudados por região, turnos das ocorrências, queixas relatadas pela comunidade, denúncias anônimas de quem tem medo de represália por viver em meio a bandidos, estudos que um policial precisa para exercer o seu ofício, a experiência de quem vive a turbulência, todos os dias, uma após a outro, no meio das chamas das ruas e não vê o mundo do calor de um split. Muito menos os ataques diários contra a cidadania e a liberdade, e não por discursos de militantes, mas na realidade do operário e do estudante que temem morrer pelas mãos de um ladrão qualquer de celular, drogado e armado. É. Pulgas? Incomodam demais. Fora, cães!.


Um pobre pensador (sim, alguns ainda pensam, seu cérebro sobrevive ao caos) perguntará: mas e a boa e velha prevenção, que evita confrontos e mortes? E as tantas abordagens que flagraram armas e drogas antes de elas fazerem seu funesto trabalho junto a tantos inocentes, tantos jovens, até mesmo crianças? A antecipação, que permitiu que seguissem vivendo tantos condenados ao acaso da violência numa nação combalida por criminosos? E os resultados alcançados pelas forças policiais? E as corregedorias, que sempre cumpriram seu papel? Pois a quem é douto, o saber. Quem não é? Vá sobreviver! Pobre Bizarreia, de bizarros destinos. Claro, haverá uma adequação às novas ordens: toda verba para algemas e armas não letais serão redirecionadas à compra de narizes vermelhos. E os policiais da Bizarreia se unirão, felizes, no picadeiro da sobrevivência a brincar com o povo de esconde-esconde, ou “ovo podre”. Ufa. Bizarreia, Bizarreia. Ainda bem que não és o Brasil.


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