Liberada sem liberação

Liberada sem liberação

Como vai ser a fiscalização. Pode portar, mas não pode consumir na rua

Oscar Bessi

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É o velho dilema do ovo e da galinha. Quem veio primeiro? Quem é mais importante? Então, quando precisamos debater a fundo e com seriedade temas relevantes como as drogas, e o que esse contexto faz com a nossa sociedade, e com o futuro dos nossos filhos, surgem aquelas frases bobas tipo “ah, mas é preciso diferenciar o usuário do traficante”. Uau! Descobriu a América, Mister! Tá, mas vamos pensar: o álcool é uma droga legalizada. Autorizadíssima e super da hora. Cheia de apelos e propagandas por aí. E é uma droga que mata, não há como negar. Quem mata? O dono do bar (que, convenhamos, faz o mesmo que o traficante: vende) ou o bebum que dirige embriagado? Ah, não podemos comparar o ó com o borogodó. Podemos sim. Devemos! Porque é justamente o contexto que faz o mal, não qualquer ponto isolado do debate.

Vamos ao cigarro. Droga legal. Mas cheia de restrições. O Brasil, hoje, tem um percentual três vezes menor de fumantes do que há três décadas. Consequentemente, menos doentes afetados direta e indiretamente pelo tabagismo. Menos dinheiro público necessário para enfrentar seus males na saúde. E na educação, para prevenir. Comerciais proibidos, não há mais apelo: saiu de moda. Educação. Ou parte dela. Pois seria mais ainda eficiente, essa política, se houvesse o todo da Educação de verdade. O álcool ainda mata demais, principalmente no trânsito. Provoca rombos nos recursos públicos que poderiam ser utilizados em outras urgências da saúde. Mas não há qualquer debate para mudar o contexto atual.

A maconha, francamente, merecia uma análise melhor. Eu gostaria de saber, por exemplo, os impactos na saúde pública desse “meio que liberei sem liberar”. A repercussão financeira num contexto em que hospitais e postos de saúde já não dão conta de atender as demandas do povão, onde brasileiros ficam anos na fila de espera para procedimentos cirúrgicos simples dos quais dependem sua sobrevivência. E o que seria necessário investir na educação de nossas crianças e adolescentes para que se entenda o que é esta droga, os limites, as formas, as consequências, aos moldes do que fazem policiais militares país afora com o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), mas só numa parcela de escolas, não em todas. Como está dito, só vejo confusão nas cabeças: pode portar, mas não pode usar, nem vender. Pode portar para quê, então? Para enfeitar o pinheirinho?

Qualquer policial experiente dirá que a maconha é só uma porta de entrada para contextos criminais e violentos mais complexos. Qualquer médico experiente mostrará como a maconha faz muito mais mal do que um cigarro comum, que já faz um grande estrago, mesmo que, sob um tratamento laboratorial específico, possa até ser usada (a planta) como remédio. Eu só não sei ainda como explicar a liberação “histórica” do STF. Não pode ovo, não pode galinha, mas omelete tá valendo? Sim. Desde que não coma. E agora? Na vida policial, nada muda, nenhum usuário vai preso mesmo e já faz muitos anos. É muita teoria e pouca vontade de se resolver as coisas da vida como elas realmente são. Muita gente com a vida confortável emitindo parecer sem entender como a banda toca aqui, na realidade do povão. Vá que autorizem até propaganda da droga. Quero nem ver.


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