Livros, esperanças, violências

Livros, esperanças, violências

Essa gurizada me relembra, a todo momento que sim, eles merecem a chance de realizar sonhos.

Oscar Bessi

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Na última quinta-feira, compareci a um bate-papo com alunos das séries finais do Ensino Fundamental, em minha cidade. Eu estava meio indeciso sobre que tema abordar. Eles haviam lido meus dois livros juvenis publicados por uma editora mineira. Ambos trazem uma turma de amigos de escola, Dudu, Anita, Laura e outros, suas descobertas, experiências, aventuras, sentimentos e confusões típicas da adolescência. “O outro lado do caleidoscópio”, o primeiro, fala sobre os olhares diferentes que temos, cada um de nós, sobre tudo. E as confusões que causam pré-julgamentos e falta de diálogo entre pessoas que se amam. Já “Um caminho no meio das pedras” aborda o tema das drogas, das ilusões, das falsas e verdadeiras amizades etc. Eu me diverti escrevendo esses livros, eu que fui leitor ávido de Maria José Dupré, Hélio do Soveral (SS6) e coleção Vagalume. Porém, há alguns anos não lanço livro novo e a gurizada teve que buscar exemplares até nos sebos virtuais (e me contaram isso com entusiasmo, pelo esforço feito, o que me emocionou).

Há 14 anos, entre quarta e sexta-feira mergulho de cabeça no universo pesado das notícias policiais para escolher o tema da coluna de sábado. Um tema que valha a pena o debate ou reflexão e não seja mero sensacionalismo oportunista. Como policial evito (mas já quebrei esta regra várias vezes) falar aqui do que vivi na semana. Porque alguns temas, ao serem abordados, sairiam impregnados de um sentimento que não tenho como garantir que sejam positivos. Ao contrário: decepção e insatisfação, volta e meia, me rondam. Como rondam qualquer policial brasileiro. E eu sou um policial brasileiro que escreve, então preciso me policiar mais ainda. Não transformo meu umbigo em bandeira. Enfim. Após horas aturdido por leituras sobre feminicídios, supermercados com alimentos impróprios para consumo, golpes, ameaça de bomba, mortes e por aí vai, cheguei na escola.

E foi só chegar na escola que tudo se transformou. Rimos. Falamos sério. Pediram histórias pitorescas do cotidiano policial. Pediram os meus porquês de um dia ter escolhido este ofício. Quiseram saber como crio textos. Gostaram de ouvir sobre o respeito verdadeiro, que a gente não compra nem impõe, mas conquista. Concordaram que o conhecimento é a melhor arma para vencer na vida e também a melhor proteção. Entenderam o perigo das culturas violentas, da intolerância e dos preconceitos. Contei casos. Meus e do mundo. Rimos mais outras vezes, porque sem risos e sorrisos os momentos não se tornam marcantes, isso é humano. No final, ao me entregar seu livro para ser autografado, uma menina me surpreendeu com um pedido veemente escrito na página onde eu deveria assinar: “Por favor, faz um terceiro livro, uma continuação!”. Depois, já no quartel, eu lembrava do pedido com os olhos marejados. Essa gurizada me relembra, a todo momento que sim, eles merecem, e todos nós merecemos, a chance de realizar sonhos. Que todos nós podemos ter um mundo melhor, mais alegre e menos tenso. E que eu, e todos os policiais deste país, podemos e devemos guiá-los para bem longe das violências todas. A literatura pode ser só mais um jeito bom de percorrer este caminho.


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