Lutos e lutas policiais

Lutos e lutas policiais

Oscar Bessi

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Está doloroso checar as redes sociais. Todos os dias nos deparamos com a notícia da partida de um amigo, um conhecido, um colega de ofício. Um familiar. Eu, que andava desgostoso com as intolerâncias a destilar ódios surdos e unilaterais, agora me pego receoso, por vezes deprimido, com a avalanche de péssimas notícias e tristezas que a pandemia trouxe consigo. O tanto de gente lutando para seguir vivo. O tanto de gente com medo. Gente esgotada de tanto tentar ajudar, de tanto tentar conscientizar, de tanto dar murro em ponta de facas teimosas, invisíveis e cruéis, que podem ter a forma de um vírus ou da ignorância. Mas não é apenas a pandemia em si o que nos entristece. Certas ações ou omissões seguem inexplicáveis. Critérios. Atitudes. Ou a falta disso tudo. Por exemplo, os policiais seguem sem vacinação. E seguem nas ruas, lidando com os irresponsáveis, com os contaminados, com os despreocupados, com os criminosos. E estão tombando cada vez mais. Em 2020, a Covid-19 matou o dobro de policiais em São Paulo do que os que tombaram em confronto. E há quem dê de ombros para isto.
Estão sendo dias duros para nossos colegas da Brigada Militar. Dois colegas tombaram pela ação de criminosos no Estado. Ações cruéis, calculadas, de bandidos inescrupulosos. Mataram dois jovens policiais que davam a vida pelo povo gaúcho. Dois rapazes brilhantes que tinham um belo futuro pela frente, que tentavam se cuidar enquanto se arriscavam pelo próximo, cujas famílias certamente tinham orgulho do belo caminho profissional que trilhavam. Bruscamente, covardemente interrompido por assassinos. Pode até alguém dizer que faz parte do ofício. Mas jamais poderemos aceitar como normal. Toda vez que um bandido mata um policial, é o nosso sistema de civilização, nossa democracia e nossa liberdade que têm pedaços de si arrancados. A sociedade que mostra uma face doente que precisa ser curada. Porque os policiais nada mais são do que a representação das garantias de tudo aquilo que propomos como regras de convivência harmônica entre os mais diferentes seres humanos. Para que todos tenham a chance de alcançar a felicidade e a paz. Violar isto é violar a esperança de todos nós em dias melhores.
Uma pena que talvez tudo o que esteja acontecendo, tudo o que os policiais estejam enfrentando e passando, todo o risco a que estão expostos e toda a dor que estejam sentindo, não sensibilize muito os condutores da nossa sociedade organizada. A mesma sociedade que eles dão a vida para defender. Essa insistência em negar a vacina para policiais, assim como para os professores, mostra o quanto ainda não temos noção de como seria vivermos sob certos princípios. Sob certas prioridades, como educação, segurança e saúde. De nada adianta protestar pela liberdade de desrespeitar regras se nossa compreensão sobre a importância delas, e de quem as garante, é tão débil. As lutas policiais seguem sufocadas pelos lutos em série. Daria para ser diferente. E, pelo bem de todos, precisa ser muito diferente. 

 


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