Mao e o combate de Gravataí

Mao e o combate de Gravataí

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O casal de namorados tem o beijo interrompido pelos tiros. Acostumados, se jogam para baixo do sofá num gesto instintivo. Sabem que não devem espiar o que acontece, pois se há um ditado que cabe por ali é o de que curiosidade mata. Bala perdida já levou até criança. Mesmo assim, minutos depois dele não contém a curiosidade e vê, por uma fresta da cortina, o carro lá na rua crivado de balas. “Gravataí tá igual à Medelin de Pablo Escobar”, ele comenta com a namorada, lembrando cenas da série que assistiu na Tv. Ela não responde, tensa. Ainda não acha que tiros, gritos e sirenes devam ser a trilha sonora da sua vida e tenta voltar ao sertanejo de vozes femininas que embalava o namoro. Mas não consegue.

Não é exagero comprar qualquer recanto metropolitano brasileiro de hoje com a Colômbia de outrora. A violência sem escrúpulos é a mesma, dos assassinatos e execuções à disputa pelos pontos de tráfico que os motivam. E, como no país vizinho por muito, não parece haver ainda por aqui uma vontade real de enfrentar este quadro de horror. Quando a revolução popular de Mao chegou ao poder na China, o país contabilizava cerca de 70 milhões de usuários de drogas. A estratégia foi convocar os excluídos do sistema que os empurrava à violência a participarem do processo decisório da sociedade. Dizem que reduziu. Tirando as óbvias propagandas enganosas de todo regime, ainda mais ditatorial, o fato é que a China de hoje, onde o comunismo é mais capitalista que os capitalistas de ofício, e entre suas macabras exportações estão muitas drogas sintéticas, está preocupada com o fato de que o número de usuários de drogas no país voltou a crescer. Hoje, são cerca de dois milhões e meio de viciados. O mesmo número do Brasil. Só que a China tem quase um bilhão e meio de pessoas. Nós, apenas duzentos milhões.

Na Colômbia, muito investimento e ajuda internacional no enfrentamento ao tráfico e, depois, um trabalho forte de presença de estado. Que está, a bem da verdade, funcionando menos do que deveria, mas é melhor que aqui. O problema é que o tráfico de drogas engorda os bolsos de muita gente bem situada no sistema. Gente “de bem”. A guerra de Gravataí faz vítimas entre sicários e inocentes do povo. Este problema, sim, a força policial enviada vai resolver. Pelo menos enquanto estiver lá. O problema é que os sujeitos que enriquecem tornando pessoas dependentes desses venenos seguirão seu trabalho, pois é sua fonte de riqueza. A morte alheia como lucro. E seus maiores apoiadores nem são os idealistas ingênuos, ou não, que defendem que a máfia vire empresa legalizada. São os que se omitem quando, por ofício, deveriam ser os primeiros a agir.

 

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