Muito além do dever

Muito além do dever

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Há quase vinte anos, desembarquei na parada 48 para servir em Alvorada. Eu vinha do 11º BPM, zona norte da capital, com uma breve passagem no então Centro de Operações da Polícia Militar do RS, o Copom, hoje absorvido pela estrutura moderna e integrada do Ciosp. Não conhecia nada por lá afora os elevados índices de violência do noticiário. Atuei cinco anos na cidade, até ser transferido para Canoas. Jamais servi noutro lugar que tenha nos levado tantos colegas e amigos em confronto. Hoje, ao acompanhar nas redes sociais as ações dinâmicas e incessantes do 24º BPM através do seu comandante, Tenente-Coronel Leandro da Luz, sinto saudade daqueles dias. Dos amigos que fiz, lembro a intensidade que ombrear lado a lado por um mesmo ideal, encarar e superar os mesmos riscos, adversidades, tristezas e alegrias, consegue construir. Um desses amigos é o Sargento Alessandro Saragozo.
Ele era um jovem Cabo da Brigada quando cheguei em Alvorada. Natural de Santo Ângelo, ainda tinha sotaque missioneiro. Gestos comedidos, pose de galã, lembro que eu brincava que ele era nosso Giuliano Gemma, o ator italiano famoso pelos spaghetti western. Atacante, era um dos nossos craques no bom time de futebol da BM local. Seu único defeito era ser gremista (tá, brincadeira). Em 2016, quando assaltantes fizeram reféns numa grande loja da cidade, foi dos primeiros policiais a chegar no local. E nem estava no policiamento. Um sujeito de coragem, generosidade e coração imensos. Lembro que certa feita, na ida para o trabalho ali pelo Jardim Leopoldina, eu me deparei com dois assaltantes de arma em punho numa moto. Houve confronto e, como eu estava sozinho, só deu tempo de pedir apoio, jogar o celular no chão e encarar. O primeiro a chegar foi Saragozo. Estava em Alvorada, em seu intervalo de almoço. Largou o prato recém servido, pegou o primeiro colega que viu e veio voando.
Na noite fria do sábado passado, ao ler que em Alvorada um policial de folga, em seu lar, soube que um vizinho estava sendo assaltado e foi imediatamente socorrê-lo, e que encarou os bandidos na raça e na coragem, matando um e sendo ferido com três tiros no confronto, não me surpreendeu ser atitude de brigadiano. Nem me surpreendeu que fosse ele. Saragozo é assim. Sempre foi. Policial de corpo e alma. Mas escrevo esta coluna angustiado: ele não passou bem a noite de quinta-feira, teve dificuldades respiratórias e foi transferido para o CTI do Hospital da Brigada. Seu filho, Alexandre, me avisa: está fora de perigo. Minha dor se abranda um pouco, mas me engajo numa corrente de orações pela sua recuperação. Saragozo foi guerreiro, um defensor da cidadania em seu gesto de bravura. Paixão, ideal, instinto ou cumprimento do dever. Chame como quiser. Homens como Saragozo anda raros neste país e precisamos que fiquem muito tempo conosco.

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