Não dá nada?

Não dá nada?

Especial 10 anos da coluna de Oscar Bessi: seleção de cinco textos publicados entre 2010 e 2020.

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(Coluna publicada em maio de 2010)

Impunidade, no imaginário brasileiro, costuma ser vinculada a menores infratores. Tá, e a alguns políticos. Puro preconceito. Estamos evoluindo. Já tivemos até governador preso. Quanto à garotada, é mera questão cultural. Jeito de ver. Um quinto da nossa população carcerária é adolescente. Há medidas sócio-educativas previstas, recuperativas, considerando que são indivíduos em formação. Se não funcionam, o furo é mais embaixo. Ou mais em cima. O problema é que gostamos de castigo físico e grades. Somos vingadores naturais. Não deixamos barato. Mesmo que o barato saia mais caro e não resolva nada, só piore. Queremos dar o troco. Sofremos? Alguém precisa pagar por isto. E ficamos satisfeitos.

Esta semana, um drama deixou os gaúchos boquiabertos. O menino de cinco anos que morreu numa capotagem. Sabemos, somos o quinto país no mundo em mortes no trânsito e crianças são vítimas a todo instante nesta guerra. Perdemos quase meio milhão de pessoas em pouco mais de uma década nos acidentes. Metade sequer estava, tinha, ou sabia conduzir veículo. O chocante, neste fato, é que outro menino, de 15 anos, estava ao volante. Com adulto junto.

Nossa juventude se mata todos os dias. Menores traficam, viciam, violentam e agridem outros menores. Fratricidas precoces. Enquanto adultos permitem ou até incentivam. Vai, não dá nada, dizem. É menor. E menor pode. Eis o mal. A cada crime cometido por criança ou adolescente, há um adulto, ou mais, por trás. Por ação ou omissão. Dia desses um amigo narrou, espantado, como o filho dirigiu um daqueles carrinhos de supermercado para os pequenos brincarem. Entre prateleiras de guloseimas e brinquedos, queria acelerar, correr, buzinar e gritar palavrões aos outros. Perguntou o que motiva um menino de quatro anos a agir assim. Simples. É como ele, pai, dirige. Na frente do filho.

A cada tragédia, vem à pauta a discussão da maioridade penal. E se pensa em mexer no ECA, no código de trânsito, criar mais multas, pedágios, impostos, leis, presídios, cadeira elétrica. Certo, regras e punições devem ser adaptáveis à realidade. Mas o que está banal demais é a falta do exemplo e a irresponsabilidade. O caos educacional. É preciso que se recupere na família o seu papel educador. De ensinar o respeito ao ser humano. Educação, como segurança, exige participação de todos. Só a escola não segura a peteca, ou remenda o que vem retalhado de casa. Nem Conselho Tutelar, polícia ou cadeia. A impunidade nasce no berço. Não dá nada? Dá. Não educamos. Então perdemos nossos filhos, diariamente. E eles perdem o amanhã.


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