Não pode ser tão fácil

Não pode ser tão fácil

Oscar Bessi

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Que há loucos soltos, todos sabemos. Em qualquer lugar. Não somos nós, loucos também? O que nos determina mais normais que os outros? Vamos observar. Perceber. Notar. Basta sair do seu expediente de trabalho e circular pelo Centro de Porto Alegre, num entardecer qualquer, e apreciar a fauna humana, o quanto ela é capaz de mostrar, num pequeno espaço geográfico, o seu interminável leque de variações. Fanáticos. Eufóricos. Dementes. Decadentes. Arrogantes. Desesperados. Céticos. Fétidos e reluzentes. Espalhafatosos e ausentes. A humanidade é assim, plural em aparência, plural em costumes, plural em sobrevivência. E poderíamos ver um universo ainda mais amplo de pluralidade se pudéssemos enxergar dentro de cada ser. O profundo e obscuro oceano submerso, inacessível aos olhos, no fundo de cada alma, onde moram os sentimentos, bons e ruins, é claro, mas talvez não suportássemos ver, na forma crua, os tons nada agradáveis das dores, dos traumas, dos fracassos e perdas sentidas, frustrações, medos e rancores. Talvez nos embrulhasse o estômago ver o ódio de cada um. Somos preparados para o amor. O contrário nos choca e nos desconcerta. Mas também temos esse ódio, em menor ou maior escala. O que nos diferencia é o que fazemos com tudo o que nos compõe.

Então, se o incompreensível está no tarado que se vestia de pirata para abusar de crianças em Gramado, ou nos jovens soldados que já não sabem mais o que fazem na guerra da Ucrânia, e matam crianças que brincam numa pracinha, ou nos atiradores que volta e meia atacam nos EUA, não importa. São atos tão humanos e previsíveis que o que mais irrita é saber que há tanta gente que poderia fazer algo para parar com isto, mas nada faz. Por interesses tão seus, tão egoístas. O mundo assiste apático à carnificina ucraniana, e afora as pingadas ajudas humanitárias, o que mais se vê é apoio ao confronto, porque quem manda armas e munições, não apoia nenhuma paz, apoia a morte. Enquanto isso, o presidente ucraniano segue seu espetáculo, o presidente russo segue na sua insensatez, o mundo segue falando bonito sem fazer nada e as pessoas, velhos e crianças, mães grávidas e trabalhadores, seguem morrendo sem culpa de nada.

E os EUA podem ser exemplo para muita coisa, mas não é compreensível que um país veja, em tão pouco espaço de tempo, atiradores alucinados invadindo escolas, mercados ou desfiles de rua e matando pessoas como se estivesse num videogame. E nada faça para mudar isto. Eu sempre fui dos que concordam, uma arma ou uma faca não têm vida própria, então nem são elas o problema. Mas quando não se sabe controlar ou educar as pessoas para que convivam com elas, então  são problema sim. Se nosso trânsito mata milhares todo ano, sim, ele é um problema. Se as drogas matam tanta gente todos os dias, sim, elas são um problema. Então as armas que matam demais são problema, afinal todas essas vidas não deveriam ter sido brutalmente interrompidas. Ou não se sabe como anda a humanidade? Não pode ser tão fácil assim matar, abusar, destruir vidas. Ou o andar da civilização está retrocedendo?


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