Nossas cavernas

Nossas cavernas

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Eram quase 09h de terça, pouco antes de iniciar meu bate-papo com estudantes na Feira do Livro de Herveiras/RS, e não contive a alegria ao ler no aplicativo do Correio do Povo a notícia que era dada em primeira mão. O último menino e o treinador que estavam presos numa caverna, na Tailândia, haviam sido resgatados com sucesso. O caso, que emocionou o mundo, me fez lembrar “A mina de ouro”, de Maria José Dupré, livro que li quando criança. A garotada e seu cachorrinho que se perdem num labirinto de cavernas, água e escuridão. Eles precisam ser corajosos, criativos e solidários para achar uma saída. Acham ouro, que nada vale naquela situação. A escritora de Botucatu/SP, ao lado do luso-brasileiro Hélio do Soveral e sua Sociedade Secreta dos Seis, me despertaram o desejo de escrever. Confesso que Dupré ainda me fez pensar mais de uma vez em catar uma caverna para me aventurar.

Viver, deixar de viver, correr riscos ou não. Esse dilema faz parte da vida humana. Podem ser cavernas tailandesas que se tornam perigosas em tempos de chuva, podem ser nas ruas brasileiras que se transformam em ciladas mortais a qualquer tempo. Pode ser um amor. Não é segredo que muitos de nós já deixamos de sair à noite, de ir ao teatro, um show, cinema ou lançamento de livro por medo da violência. Deixamos de beijar, de querer, de viver. Medo é do ser humano. Enfrentá-lo também. Talvez a maturidade traga qualquer cansaço e indisposição para arriscar, porque há resultados que se repetem e chateiam, mas a juventude tem seu frescor natural, sua inquietude, seu debate constante sobre o que há na próxima curva da estrada. Aí, vale tudo para descobrir. Até arriscar em águas turvas ou cavernas. Sim, todo ano aventuras resultam em tragédias como afogamentos, acidentes e labirintos que não dão chance de resgate. É prudente evitar riscos? Com certeza. E contra a prudência, não há argumento, exceto conhecer. O conhecimento é sempre o nosso maior escudo.

Falei sobre isto com a galera de Herveiras. O conhecimento que nos arma e protege de qualquer risco, seja da violência, das drogas, da ausência de respeito e tolerância, ou dos perigos físicos do mundo. A plateia era composta por educadores, estudantes das séries finais do ensino fundamental e ensino médio. Adoro adolescentes. Têm questionamentos, debates, não aceitam o que já vem pronto. Preferem construir junto. É como crescemos, foi como cresci. Tive a honra de ser o primeiro escritor a conversar com os garotos na primeira Feira do Livro local em parceria com o SESC/RS (sempre ele, o SESC!) e a maior da história do município. É instigante. Vemos nossos jovens, todos os dias, se perdendo entre labirintos e cavernas de uma sociedade confusa em seus valores. Seu resgate pode ser complexo, também. Mas possível e é nosso papel fazê-lo. Basta querer de verdade.

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