O alerta vermelho que cada setembro amarelo nos traz

O alerta vermelho que cada setembro amarelo nos traz

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O setembro amarelo policial

 

Vinte e cinco anos. Uma menina. Seu sonho, desde a adolescência, era ser policial. Tinha dezesseis anos quando começou a frequentar uma academia para “pegar corpo” e resistência, pensando num futuro concurso. Como nunca fora uma aluna com dificuldades intelectuais, não queria parar logo na prova física do concurso, uma etapa já tão perto do seu sonho. Tinha dezenove anos quando ingressou na PM carioca. Seis anos depois, foi encontrada morta no banheiro do pequeno apartamento onde morava, com um tiro na cabeça. Suicídio.

Perdemos mais de 100 mil brasileiros a cada ano que, por algum motivo muito seu, decidem tirar a própria vida. O dado é horrível e preocupante. Mas o setembro amarelo, criado para que se desperte e multiplique a consciência sobre um problema tão delicado, não parece ter a devida atenção coletiva, nem pública. Se aumenta a cada ano o número de brasileiros que cometem suicídio, na área da segurança pública o número de policiais que terminam com a própria vida cresce tanto quanto os vitimados pela guerra contra o crime. A vitimização, neste caso, é ainda mais complexa e nasce de diversos fatores.

Um trabalho feito pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em parceria com a PM carioca, se chama "Por que os policiais se matam" e é considerado um dos mais completos diagnósticos sobre o problema no país. Nele, se descobre que 10% dos policiais entrevistados já tentaram se matar e outros 22% pensaram seriamente nesta possibilidade. Fora os óbitos. Um número alto demais, se lembrarmos que todas essas pessoas tem acesso fácil a armas. O risco de um policial cometer suicídio é quatro vezes maior do que o restante da população. A esmagadora maioria entre soldados e sargentos, homens e mulheres no alicerce da instituição, na linha de frente no combate ao crime e proteção da cidadania. Mas, também, no rodapé da hierarquia e das baixas remunerações.

Ações preventivas para reverter este quadro seguem tímidas e os canais de ajuda ainda dependem da vontade do próprio policial. Um erro. Quem está mal, internamente, não vai procurar ajuda por sua vontade. E suas motivações são várias, como a rotina de desvalorização e até humilhações no trabalho, a insatisfação com escalas de serviço imprevisíveis e impessoais, a rotina de cobranças, estresse, violência vivenciada e absorvida, depressão, frustração e, claro, falta de perspectiva. Em resumo, a ausência de humanização no seu meio. Eis outro problema dos famosos pacotes de segurança pública brasileiros, que só falam em números, seja de crimes, de homens, armas ou viaturas: além de ignorar a educação da sociedade, como raiz de tudo, nem fala em condições mais humanas ao trabalho policial. E bastaria um pouco de interesse, ou sensibilidade, para entender o alerta vermelho que cada setembro amarelo nos traz.

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