O carrasco veloz

O carrasco veloz

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Já se matou muito em nome da lei. Ou do Estado. Os exemplos se espalham com abundância no tempo e no espaço. Assassinatos institucionais sob a desculpa do controle, ou do poder. Por séculos o Império Otomano, nascido da união de tribos nômades pelo turco Otman I, no século XIII, foi um dos maiores estados do mundo e a última potência global islâmica. Dizem que o enfraquecimento desse gigante começou com o sultão Mahomet IV, o Caçador, que, ao apoiar a revolta húngara contra o governo austríaco, em 1683, sofreu um revés inimaginável. Mesmo dividido, o império seguiu até ser proclamada a moderna República da Turquia, em 1923. Há histórias incríveis sobre os otomanos. Eles adotaram, por exemplo, o famoso “fratricídio” no califado. O rei era propriedade comum da dinastia e, entre os integrantes desta, a pena capital era justificável para que a unidade de comando prevalecesse. O sultão deveria ser único, a qualquer custo.

Mas a pena de morte não se restringia às disputas de poder nas famílias nobres. Povão também morria por decreto ou sentença. Para executar as tais penas, verdugos implacáveis deixaram suas marcas. O mais peculiar dos carrascos foi Soulfikar, executor pessoal de Mahomet IV. Ele não era um ser humano, mas uma máquina mortífera. Até Mahomet IV parar na cadeia, bem próximo dos campos onde amava caçar, Soulfikar matou cerca de três pessoas por dia durante anos. Foram pelo menos cinco mil seres humanos cujos corpos jogou nas águas do Bósforo, o estreito que banha Istambul e liga o Mar Negro ao Mar de Mármara. Mas Soulfikar não era só um assassino oficial em seu emprego repugnante porque “as coisas são assim e alguém tem que fazer”. Ele gostava, e se divertia com a morte. Não usava nenhum instrumento ou arma em suas execuções: estrangulava cada condenado até a morte com suas próprias mãos nuas. Se o infeliz era estrangeiro, Soulfikar apostava com ele uma corrida pelos jardins do palácio. Caso o outro vencesse, sua vida seria poupada e ele apenas banido. Só que jamais alguém venceu Soulfikar. Ele era o Usain Bolt dos verdugos. E após a corrida, ainda tinha forças para estrangular suas vítimas.

Dia desses, em bate-papo com estudantes numa escola pública, uma menina questionou se eu não achava que a pena de morte resolveria essa violência cada vez maior no país. Contei-lhes essa história para dar um exemplo de que não levo fé em estados tiranos e assassinos. Qual a história de cada vítima de Soulfikar? No Brasil, males como a corrupção institucionalizada e a incompetência governamental têm feito o papel de nosso carrasco veloz, que nos faz correr desesperados e sem esperança pelos jardins de nossas próprias vidas. Não me parece justo que essa gente tenha o poder de decidir sobre nossa vida ou morte num gesto legal. Eles já nos torturam demais, só para se divertir.

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