O Fio do Bigode

O Fio do Bigode

publicidade

 

Certa vez, tentei deixar bigode. Queria ficar igual ao pai. Foi uma experiência trágica: fiquei com cara de preá misturada com leão marinho. Eu e um saltimbanco mexicano. No auge dos meus vinte e bem pouquinhos anos. Coisa triste. Mesmo com o espelho e toda a torcida do Flamengo protestando, insisti. Era um subversivo nato, precisava contrariar tudo. Incluindo eu mesmo.

Até que encontrei uma menina da minha idade na rodoviária. Bonita, ela. Não, linda, uma Vera Fischer nos áureos tempos (o que também faz tempo, eu sei). Ela me olhou. Fez cara de quem ia puxar assunto e se veio pro meu lado. Franzi o cenho, caprichei no ar blasé e dei aquela caidinha na perna esquerda, dedão no cinto, pose diagonal de galã em capa de disco sertanejo. Aí, ao me perguntar a hora – e era só o que ela queria papear -, a dita cuja me dispara um “ô tio”. Assim. Na lata. Quase tive um troço e perdi o ônibus. Corri pra navalha naquela mesma noite e decidi, bigode, rá!, nunca mais.

Ultimamente, porém, ando pensando no assunto. Cogitando a hipótese. Pedi até para um amigo policial fazer uns retratos falados, só pra ver como fica. Olhei, olhei. E lembrei o tsunami no Japão. É, há coisas piores no mundo. Tá, de tio passarão a me chamar de “vô”, mas tudo bem. Pra piorar, esse guri demora a crescer. Tô falando do bigode. Ao contrário da barba, que me sacrifica a pele todo dia e preciso raspar pelo regulamento militar (logo agora que tá na moda ser tri barbudo). Vá entender. Nem com simpatia, tinta preta ou titica de cachorro dá jeito (se bem que essa da titica de cachorro preferi não experimentar). Cresce a barba, os pelos do peito, mas o bigode, que é bom, nécas.

O fio do bigode é um símbolo. De verdade, honra, coragem, compromisso moral. Um trato feito no fio do bigode, e com olho no olho, dispensa cartórios e juras. Tenho um amigo leitor, da Costa da Serra, que tem um bigode caprichado. E faz por merecê-lo. O que ele mais gosta, nas minhas colunas, é das verdades que precisam ser ditas e vez em quando deixo escapar, brincando ou não. "Tu escreves como quem diz no olho, a palavra no fio do bigode!", ele diz. E eu me sinto honrado.

Falando nisso, dá saudade do tempo em que a palavra dita tinha valor. Que a atitude era pensada para dar exemplo. E o sujeito que pisava na bola, passava o outro na perna, faltava o respeito ou não tinha vergonha na cara, merecia é um castigo bem dado. E ninguém mais lhe dava crédito. Hoje, esses sujeitos, que não honram seu bigode e nem coisa nenhuma, nos dominam. Têm delação premiada e mil chances de impunidade. O s delatados, então, nem se fala, ganham horário gratuito na TV pra explicar o inexplicável na maior cara-de-de-pau. O que será que está faltando, hein, meu amigo leitor? Mais fio? Menos bigode? Ou exageraram na dose de titica pra forçar a barra? Eu, hein.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895