O que é ser pai?

O que é ser pai?

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O homem encerra o depoimento e argumenta, é só uma preocupação de pai. Assina sem firmeza, despede-se num gesto fugidio e desaparece porta afora. Tem pressa. Percebo, ele não quer estar ali. O sargento para ao meu lado e aponta com o nariz a direção que tomou. “Pai? Esse nunca soube ser”. Ouço as histórias do filho, viciado em crack, autor de arrombamentos em série no seu bairro, entre residências e pequenos comércios, suspeito de esfaquear uma adolescente para roubar o seu celular, pego pela polícia umas duas dezenas de vezes. O pai, há alguns anos, foi denunciado ao Conselho Tutelar por espancar o filho, embriagado. Naquela manhã veio fazer uma queixa contra PMs do batalhão. Diz que perseguem o guri e que isto não vai acabar bem. “Nunca se importou e agora quer proteger?”, questiona o sargento, mais para si mesmo, e se afasta. Eu fico ali na porta ouvindo as ocorrências no rádio portátil e me perguntando o que, afinal, é ser pai.

A paternidade é um problema gravíssimo no país. Se um dos maiores males enfrentados pelo sistema de saúde pública é a gravidez indesejada de meninas, multiplique o drama dessas novas vidas jogadas ao mundo, no cesto espinhoso da própria sorte, pela ausência do essencial. E se a presença já é, por si só, o primeiro passo para a paternidade efetiva, com afeto e condução, criação de fato, há ainda que se filtrar a qualidade dessa presença. Como age o pai presente? Apenas dá presente? O sujeito que, bêbado, espancava o filho, estava ali. Mas sua presença monstruosa aniquilou uma vida e agora tenta remendar da pior forma. Sim, nunca soube o que era ser pai ou procurou saber. Igual a ele, há milhares. Agora some os que não entendem a importância da paternidade aos que a renegam. A conta apavora e seu número astronômico está ali, no seio das violências diversas e presentes em todas as classes sociais.

Bate uma saudade repentina. Volto para dentro do quartel e, no computador, releio uma carta escaneada que meu pai me enviou de Santiago, quando servia no 5º RPMon. Era agosto de 1978. Ele responde a cartinha que escrevi pelo dia dos pais e pede para que eu siga estudando bastante aqui na capital e outras recomendações. Dá um nó na garganta e lamento distâncias que vivemos e são irrecuperáveis, agora que ele não está mais aqui. Olho a foto dos meus filhos, três gerações diferentes, e penso em todas as vezes que decidi ser um pai perfeito, o melhor pai do mundo, sem ao menos conseguir chegar nem perto disso. E das respostas científicas e poéticas que encontrei sobre o que é ser pai, nenhuma me pareceu plena. O que é ser pai? Definitivamente, não sei. Nem sei se o meu pai sabia. Mas todo mistério fica leve quando apostamos no amor. Então, antes de ser pai, é preciso ver se sabemos o que é amar de verdade.

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