O 'Vibrante Mil e Um'

O 'Vibrante Mil e Um'

Oscar Bessi

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Um caminhão dando ré, como tantos outros. Um policial indo para o seu trabalho, como tantas vezes fazia. De repente, ambos se encontram e acontece o acidente. Irreversível. Fatal. É o tipo de coisa que a gente para pra pensar e se pergunta, indignado, mas como pode acontecer? Por quê? O destino é incógnito e, volta e meia, cruel. Não que fosse plausível pedir alguma lógica nessas coisas da vida que costumamos, entre lástimas e lágrimas, tentar remediar com um “e se”. E é uma infinidade de “e se” que conjecturamos (e se isso acontecesse, e se aquilo não acontecesse, e se fosse diferente) e se debate em vão, doendo dentro da gente com o sabor amargo da angústia. Não se corrige o curso da vida, nem se remedia o tempo. Nosso mundo é que anda meio maluco. Dá a impressão de que anda difícil viver e fácil demais morrer.

O Fagundes era um jovem talentoso. Dinâmico, extrovertido, apaixonado pela profissão de policial militar que recém abraçara. Ingressou em 2018, na primeira turma que formou os melhores classificados no concurso público da Brigada Militar para o cargo de soldado. Veio fazer o curso em Montenegro. Foi meu aluno. Lembro que certa vez ainda brinquei com ele: tinha o jeito despojado dos caras mais incríveis com que trabalhei nas então Patamo (Patrulha Tático Móvel) do 11º BPM. E eu me referia justamente à área que, hoje, pertence ao 20º BPM, onde servi na época. Nunca foi uma região fácil. Infelizmente o crime e a violência acompanham de perto a vida das comunidades que precisam se debater entre misérias e exclusões. Quem for policial nestas áreas, precisa ter um preparo acima da média, um senso de dever e dignidade humana para saber olhar com sabedoria tudo que acontece ao seu redor, tudo que precisa encarar. E o Fagundes parecia ter nascido para isso. Era um gigante. Mesmo em curso, onde a turma o chamava, de forma carinhosa, de o 'Vibrante Mil e Um'. Um líder nato. Tinha um belo futuro pela frente. Mas o destino, ah, esse indecifrável e incógnito destino, não permitiu nada disso.

Foi uma semana triste para o 20º BPM. O gigante da zona Norte, como o batalhão é conhecido, sofreu duros baques. Notícias tristes que jogam uma camada de poeira sobre o incansável trabalho desempenhado pelos seus oficiais e praças. O esforço comunitário, as ações contra o tráfico de drogas e o crime organizado, diariamente. Mas há certas coisas que doem, ainda mais nos apaixonados pelo ofício. Há certas coisas sobre as quais é difícil falar, para que não se cometa uma injustiça precipitada. Que em nada soma. Eu prefiro ficar com a memória do meu amigo gigante e vibrante “Mil e Um”, soldado Fagundes. Deve estar patrulhando e sorrindo em algum lugar que ainda não sabemos. Mas que precisa ser bom. Ou tantos bons não iriam tão cedo. 


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