Por nossas vidas

Por nossas vidas

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O amanhecer de domingo nos pegou na delegacia, imersos num silêncio doído, envoltos por um breu letárgico de almas perdidas no vazio da incredulidade. Policiais civis e militares abraçados, olhos úmidos, tentando entender e aceitar – mentira, a gente nunca aceita - a partida de outro colega. Conversar com peritos, olhar o local, guardar objetos apreendidos, tomar depoimentos, providenciar documentos, pensar, tudo era difícil e lento. Pesado como são as coisas que envolvem sentimentos. E por mais profissional que se seja, não há como ignorar o sentimento quando a tragédia máxima da vida leva alguém com quem se convivia todo dia. Com quem se ria e praguejava ante os males do mundo, com quem se debatia os jogos da Copa ou os movimentos de facções criminosas. Sempre é mais difícil, mais duro. Policiais experientes ou novatos, tendo perdido muitos colegas ao longo da estrada ou não, a dor é sempre igual. Um pedaço da gente que se vai. Ser policial é ter consigo uma imensa dose de paixão e esperança. E tudo balança e aflora incandescente nestas horas.

Assim se arrastou o domingo, no aguardo da notícia inevitável e definitiva do HPS, mergulhando em lembranças, revisitando cenas, questionando sobre o que sempre se deixa de fazer juntos quando ainda há a oportunidade de fazê-lo. Assim foram as horas nos atos fúnebres, as horas depois daquele dia que nunca acabou. No batalhão, onde todos compartilhamos espaços quase únicos, a tristeza era tangível. Ela pesava sobre ombros e olhares de todos. Desacelerava o andar automático de gestos, passos, frases de todo dia. Porém, do ruim que se guarda desses instantes de dor, fica a redescoberta do quanto podemos, e devemos, ser um só. Do quanto a individualidade, a pressa e o egoísmo nos enfraquecem. Levarei comigo as dezenas de abraços intensos, demorados, apertados, que pediam a volta no tempo para desfazer aquilo tudo, que pediam justiça divina nalgum momento futuro de nossas vidas. Abraços sinceros de soldados, sargentos, da equipe toda da Polícia Civil. Não eram apenas abraços protocolares por irmanar o front e compartilhar um trabalho ou missão. Era carinho. Respeito à essência do mais humano e puro que nos compõe.

Do dia em que nosso amigo Dudu nos deixou, restarão lágrimas e sorrisos, saudades e convicções. Mas fica, acima de tudo, a necessidade de lembrarmos sempre que não se faz segurança pública só com armas e carros. Segurança pública é feita por seres humanos, para seres humanos. Que precisam respeito, atenção, carinho e motivação. Nunca descaso. Que também precisam proteção, de corpo e alma, para bem proteger, sorrir orgulhosos de sua escolha e seguir em frente. Que precisam ter a tranquilidade de saber que nunca estarão sozinhos, aconteça o que acontecer, mesmo com suas vidas em risco o tempo todo. São as vidas que importam. Todas as vidas. E é por elas que tudo precisa se mover.


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