Quem te levou daqui, Brayan?

Quem te levou daqui, Brayan?

Oscar Bessi

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Era para ser apenas mais um início de semana. E uma semana especial, a semana de dia dos pais. Certamente a escola já havia combinado com vocês alguma surpresa em segredo, um trabalhinho, um cartão, talvez um presentinho simples mas sincero, uma arte qualquer que demonstrasse carinho para que, por esses dias, talvez na sexta-feira, fosse levada para a casa. E segundo contaram as "profes", fiquei sabendo que você gostava muito de participar das aulas, né? Devia estar empolgado com esta semana. Que recém começava. O que você estava vendo mesmo na TV, Brayan? Algum desenho animado? Filme? Até já imagino o quê. Nós, que somos pais, sabemos de cor todos os desenhos, filmes e séries que a meninada curte. No meu tempo, Brayan, eu adorava ver os desenhos do Ligeirinho. E do Papa-léguas. Você não conheceu, mas esses eram personagens muito engraçados, eu ria até doer a barriga. Eles passavam o tempo todo escapando de armadilhas. Fugindo do perigo e se dando bem. Mas era um medo de mentira. Não era esse medo da vida real. Não era nada parecido com esse susto que você levou quando esses homens, ou essas feras, invadiram a sua casa atirando. Não, nos meus desenhos animados, e também nos seus, era tudo mentirinha. Pra gente rir. Porque a gente quando é criança só merece rir. E sorrir. Nunca chorar. Nunca ter medo. Mas você nem conseguiu correr, Brayan. Procurou, talvez instintivamente, a proteção de seu pai, na hora do medo. Mas não adiantou. 

Quem são essas pessoas que fazem as piores escolhas e decidem trilhar um caminho tão desumano, a ponto de ceifar a vida de um inocente que sequer teve a chance de entender o que era a vida? Fico pensando, Brayan, que em algum momento esses sujeitos escolheram ganhar dinheiro fácil com o crime, dinheiro sujo de sangue, sem se importar com nada, com as consequências de tudo o que poderia acontecer e aí está o resultado, a morte de um anjo que nada tinha a ver com essa história sórdida. Tinha que ser contigo, Brayan? Tinham que aparecer justo na hora em que você estava tão feliz e concentrado nas aventuras que passavam pela TV? Por quê? Por que esses caras não pensaram antes de fazer o que fizeram? Se tudo é pelo lucro, ainda que seja o mais sujo dos lucros, será que não podia pelo menos existir um pouquinho de piedade, ou de consciência, de humanidade no coração de quem deu esses passos tortos que te levaram deste mundo, Bryan? 

Tua escola vai sentir falta da sua alegria de viver. Os seus amigos sentirão sua falta. O seu futebol. As suas fantasias. Os que lhe amavam acima de tudo. Sabe, Brayan, a Brigada Militar deu uma resposta pronta e determinada para que pelo menos um sentimento de justiça ficasse junto da sua lembrança. Essa máfia que atravessa fronteiras e ignora limites não pode prosperar. Que sua partida, mesmo brutal e cruel, sirva de exemplo para que nenhum dos poderes públicos jamais tenha complacência com esse tipo de criminoso e, assim, não condene outras crianças a mortes estúpidas como a sua. No mais, querido Bryan, sei que sua alma estará neste domingo entregando um presente ao seu pai, ao pai cuja proteção procuraste. Como sei que estará cantando, como você amava fazer, e sorrindo, como sempre esteve, a ver as aventuras nessa TV especial aí, onde todos os nossos anjos perdidos se divertem. Pois confio: Deus tem um lugar muito divertido e melhor do que o nosso para oferecer a vocês.


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