Respeitem a utopia!

Respeitem a utopia!

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É iniciar o debate político, ou apenas eleitoral - quiçá somente eleitoreiro! - e, nestes dias de intolerância livre, impulsionam-se as ofensas. Múltiplas. Gratuitas. Vulcânicas. Basta o outro acreditar, ou ver, um pouco diferente, que a metralhadora dispara impiedosa. Eu, que acho uma profunda desinteligência discutir por convicções, sejam elas de que natureza for, apenas me sinto tocado quando o velho bordão contra a utopia volta à tona. Bah. Pra quê? Ouço a mesma coisa desde guri, quando não havia rede social e nem era tão moda assim humilhar aos quatro ventos.

Fala-se da utopia como um absurdo desde sempre. Uma doença. Um retardo.

- Para com essa bobagem! Isto não existe!

- Nunca será assim! Impossível!

Por que as coisas nunca serão de tal maneira? Por que a harmonia, a paz e o respeito são tratados como utopia? Porque se quer que seja. Porque não se quer fazer diferente. Bastaria que se mudasse de atitude, e aconteceria tudo de outra forma. Bastaria que todos quisessem isto. Então as coisas não são diferentes apenas porque nós, criaturas humanas, não queremos que seja.

Utopia vem do grego "ou" ("não", ou prefixo de negação) e "topos" ("lugar"). Um lugar que não é no agora, mas que pode ser construído no futuro. Só isso.  Utopia é sonhar com o que é mais básico de nosso desejo: um mundo melhor. Um mundo bom e justo, onde possamos ser felizes.

Aí o sujeito capricha no desprezo, ao me criticar pela utopia, e no dia seguinte vejo no seu status do whats um pensamento positivo qualquer, de Augusto Cury. Ou quem me critica usa o termo "criancice", colocando isto como o mais desprezível e bobo que há, mas ele mesmo exclamou, outra hora, como era bom ser criança!

Nossa racionalidade é linda. Mas é bem perturbada, quando esquece de ser poética.

Sim, eu prefiro a utopia que o vazio, a descrença, o nada que se vislumbra e entristece. E confesso, não ando muito utópico ultimamente. Não tanto quanto gostaria. Queria acreditar mais. Queria ter mais motivos para tentar acreditar.

Mas peço encarecidamente aos intolerantes de plantão: respeitem a utopia, deixem-na cantar livre pelos campos, pelas ruas, pelas prisões de todas as formas que construímos para nós mesmos. Deixem a utopia confraternizar com o sonho e a esperança. Quando a utopia está presente, a justiça não é cega, ao contrário, ela tem o olhar mais intenso do universo. Então desfaçam essa cara de desprezo e admitam, é o que vocês também querem. Um mundo melhor. Somos todos utópicos, enfim. A diferença está no que fazer com isto.

 

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