Torcida mista não briga

Torcida mista não briga

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Economia é uma ciência racional, já a paixão é visceral. A rima pobre se justifica enquanto ajusto minha ida a Pelotas neste sábado, com meu filho. Passagens, hotel, volta no domingo, etc. (se a rodada sair e houver como chegar lá, claro). Tudo pelo meu Xavante. O Brasil de Pelotas precisa vencer o Londrina pra sair do Z4 no Brasileirão série B. Nestas horas difíceis, o torcedor tem que pegar junto. Da rodoviária, vou direto à Tribo Xavante, garantir os ingressos (sou sócio colaborador) e umas comprinhas de fã. Depois, Bento Freitas, vibrar até o último minuto. Futebol é isto. Como todo amor, inexplicável. Nenhuma razão econômica me levaria aos gastos de uma viagem que, no total, me consumirá dez horas de ônibus e seus valores que eu certamente poderia aplicar em questões mais práticas. Mas amar oxigena e o prazer refrigera a alma. Eis a constante busca humana: algo que lhe faça bem. E cada um tem lá suas paixões. É onde nos achamos. Ou nos perdemos.
Toco no assunto pelos debates sobre vídeos da tal briga na torcida mista do último Grenal, na Arena. Essa torcida é muito mais do que mero espaço geográfico num ambiente de rivalidade histórica e, acima de tudo, tão passional quanto um clássico futebolístico. É a amostra do que somos na essência – todos iguais com suas diferenças – e do que podemos ser. Das escolhas que temos quando estamos sozinhos ou em grupo. Um sujeito pacato, incapaz de ferir uma mosca, vira vândalo ou boxeador protegido pelo anonimato da multidão, ou instigado pelo calor da massa. Por opção. Ainda que não perceba, ele se permite ser violento. E a violência nos estádios precisa ser enfrentada para que ali seja local de multiplicação de algo que dê prazer, não que agrida. Terminar com a torcida mista por culpa da fraude e agressividade de alguns é jogar uma pá de cal na paz proposta, tão necessária. O espaço reservado para esta torcida até pode não gerar lucro. Mas gera ganhos imensuráveis à educação, à cultura e à cidadania. Quem gera prejuízo é a violência.
Após duas tragédias nos anos 80, com dezenas de mortos, e de ser banida por cinco anos de competições europeias, a Inglaterra colocou seus estádios entre os lugares mais seguros para se estar. O famoso “Relatório Taylor” e suas 75 sugestões de mudanças, em 1990, trouxeram controles, regras de comportamento, brigões banidos de estádios por muito tempo e cerca de 3,5 mil hooligans presos a cada ano. Ou seja, os britânicos descobriram que há escolhas melhores do que a baderna, opção primeira de alguns torcedores. Neste aspecto, acreditem, o Brasil também evolui. E o Rio Grande do Sul dá aula, da segurança à torcida mista. Prestem atenção no vídeo, não foi essa torcida que brigou. A união e a paz não geram agressão. Tomara que o olhar miúdo do lucro, ou a ação isolada desses poucos e maus torcedores, não façam retroceder uma conquista tão suada.

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