Vingança e justiça

Vingança e justiça

Oscar Bessi

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Epicuro de Samos foi um dos grandes filósofos gregos da antiguidade. Ele viveu no período helenístico, falecendo em 271 a.C. Sua vida foi marcada pela dor, sofria de cálculo renal, e, talvez por isto, seu propósito filosófico girava em torno da busca pela felicidade, com ausência de dores e tranquilidade à alma. Questionador desde criança, por desgosto com o que considerava insuficiente nas escolas de filosofia, fundou a sua própria em Atenas, onde lecionou até morrer. É a Epicuro que se atribui a famosa frase: “A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem”. Já preocupava naquela época, em que desigualdades extremas determinavam as castas sociais, as invasões genocidas a outros povos que eram consideradas necessárias e se faziam corriqueiras. Havia toda uma selvageria simplista no modo como eram resolvidas as diferenças entre os homens. Incluindo a execução das condenações dos ditos inimigos ou, até mesmo, dos que porventura ousassem infringir o regramento estabelecido.

Esta semana, ao ler no nosso Correio do Povo a notícia da mulher que cortou o pênis do ex-companheiro ao saber por seu filho (de apenas 4 anos) sobre os abusos sexuais que o homem cometia contra a criança, me lembrei da frase de Epicuro. E, movido pela curiosidade, passei a pesquisar os comentários nas diversas redes sociais sobre o ocorrido. Não sou matemático, mas creio que 99% dos comentários mais entusiasmados aplaudiam a ação da mãe. A mulher, segundo relatos repassados à reportagem, descobriu o que ocorria há alguns meses e desde então passou a tramar a vingança contra o abusador de seu filho. Mais de dois mil anos se passaram desde que Epicuro ensinava na sua escola. A civilização, o conhecimento, a tecnologia e a informação mudaram a vida da humanidade em escalas estratosféricas. Mas, se há algo que nem sempre o sentimento humano consegue separar é essa distância que separa justiça de vingança.

Ela, a mãe sedenta de vingança, procurou imediatamente a Polícia Militar mineira após o crime e contou o que havia feito. E não escondeu que tinha planejado tudo. Entregou a faca utilizada para ferir o suposto abusador. Ela também levou o celular do homem em que estariam armazenados vídeos com pornografia envolvendo crianças. Claro, ela foi presa, eis que, por mais que se entenda seus atos, e sua raiva, ela também cometeu um crime. E nós, brasileiros, que não gostamos da violência, ainda que ela seja uma incômoda parceira histórica da nossa gente, ainda mais nos grandes centros urbanos, também não suportamos ver crianças vítimas de violência. E, no nosso país, tem muita criança vítima de violência. E, por tudo que vemos ao nosso redor, ainda não conseguimos acreditar nessa justiça, civilizada e complacente, que deveria ser organizada para nos proteger de todo o mal. Então vemos a vingança clamar com a mesma força insana de milênios atrás. E ganhar adeptos. O alerta está ligado, faz tempo.


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