Conversas a 300 por Hora - as histórias de Matheus Leist até o título da Fórmula 3 Britânica

Conversas a 300 por Hora - as histórias de Matheus Leist até o título da Fórmula 3 Britânica

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Está lançado o primeiro episódio do "Conversas a 300 por Hora", série de entrevistas com os personagens que fazem o esporte a motor. O campeão da Fórmula 3 Britânica Matheus Leist larga na pole-position, contando sobre início da carreira, inspirações, rivais e curiosidades de bastidores.



Como começou esse negócio de andar de kart?

A ideia toda foi do pai, comecei em Tarumã e fiz um curso de pilotagem com o Johnny Bonilla. Mas a gente nunca teve a dimensão que ia tomar isso tudo, de tentar correr profissionalmente. Um pouco era o pai, que não teve a chance de ir para a pista e gostava muito, querendo colocar eu e o meu irmão, Arthur, lá dentro.

O que a mãe achou dessa aventura, teve bronca em casa?

Minha mãe sempre incentivou muito. Ela queria nos colocar em algum esporte e desde o começo foi positivo, até se dedicar de forma profissional. Tinha um pouco de medo no começo, mas depois se acostumou. Essa parte do medo de mãe melhora, após dez anos na pista. Ajuda um pouco o apoio dos amigos. O pessoal do colégio gosta, fala olhaí o Matheus, ficando famoso. Terminei a escola, mas a gurizada continua apoiando e botando pilha. Mas ainda não posso dar carona! Estou fazendo o curso para tirar a carteira de motorista. Não posso pegar o carro emprestado do pai.

Teu estilo de pilotagem mudou, fez muita mancada no kart?

Sempre fui um piloto agressivo, mas ao mesmo tempo guiei com segurança. Nunca fiz nenhuma besteira. No começo do kart era mais uma coisa de ser nervosão, agitado e se ia mal já queria brigar. Na pilotagem eu era um pouco bravo, passando um pouco da freada. Mas quando voltei nisso, ficou perfeito. Esses caras do topo tem isso. Olha Hamilton, ele era super agressivo. Teve uma época em que ele fazia um monte de besteiras, agora ele encontrou um nível alto. No começo tem uma adrenalina muito grande, a gente vai aprendendo a controlar. Logo que comecei na Cadete ia para São Paulo correr contra um grid de 40 pilotos. Eu ficava meio tímido, daí fui conquistar meu espaço, tentando ser agressivo, e passei do ponto. Depois voltei um pouco.

Como foi o caminho até a Europa? Verdade que quase ficou para a Stock Car?

A Fórmula 3 Brasil veio no impulso. Recebi uma proposta por e-mail e discuti com o pessoal que me apoiava. Fechamos com uma equipe mais ou menos, tivemos que trocar no meio da temporada. Corremos e fomos vice-campeões. Daria para disputar se tivesse iniciado melhor, mas foi bom. Terminou 2014 e estávamos indecisos. Cheguei a testar de Fórmula Renault, foi bem legal esse primeiro contato de fórmula na Europa. Mas sem alternativas estava quase fechando para seguir o caminho da Stock Car e fazer o Brasileiro de Turismo. Mas nisso surgiu o Danilo Dirani, que conseguiu o espaço na Fórmula 4 Inglesa.

Novos horizontes e um baita desafio fora da zona de conforto?

Foi muito legal, e difícil. Na primeira corrida tinha quatro treinos e o pessoal tinham uns 15 treinos. Mas no primeiro fim de semana consegui dois pódios. Fui quinto no campeonato, mas isso não representa a performance. A gente teve muitos problemas, inclusive de motores. Eu perdia 10 km/h de reta, mas conseguiu mostrar meu potencial. Fiz uma pole em Silverstone e ganhei na chuva, em Donington. E a minha equipe sabia que tinha a capacidade de ter sido campeão. O time não era de ponta, era uma estrutura média nessa categoria. As grandes nunca tinham problemas de motor e a gente deu uma patinada no meio da temporada.

Como foi trabalhar isso para o ano seguinte?

Em 2016 deu tudo certo para a gente. Sabia que 2015 tinha sido um ano bom e após um programa de testes bem bom, com 25 treinos ao longo do ano fiquei pronto. Tinha que aprender as pistas com outro carro, muito mais potente. Mas os autódromos na Inglaterra são demais. As categorias só andam em pistas gigantes na Europa, fica até chato pois é pouco carro para a pista. Na Inglaterra não, é tudo pequeno e técnico, rapidinho e feito para aquilo. Com exceção de Silverstone. Com o carrinho do ano passado ficava chato

Mas na Fórmula 3, o carro vinha completamente no limite nessas pistas. Não tem tempo para descansar. Oulton Park é animal, é uma das pistas mais desafiadoras do país. Andei em Brands Hatch, que virou minha pista favorita. É muito show, aquele sobe e desce. Ainda corremos em Spa, uma pista lendária. Só pistão.

Onde veio o diferencial para encarar as grandes equipes?

Teve provas que foram bem técnicas, com momentos complicados para mim e para a equipe. A gente se sobressaiu, principalmente quando chovia. O Ricky Collard, com quem eu disputei o campeonato, estava num grande time e sempre lá em cima da tabela no seco, em tudo que é treino. Mas chegava na chuva, o cara sumia, enquanto a gente liderava. Na corrida em Donington, quando assumi a liderança do campeonato, tinha chovido muito de manhã. De tarde, estava aquela situação meio que secando, com barro na pista. Eu fui para a liderança e fiz a volta mais rápida sete décimos melhor que o segundo. Então, eu estava sobrando.

Essa adaptação faz muita diferença na hora de competir?

Uma coisa é conseguir andar rápido quando tudo está perfeito, o carro grudado na pista. Quando todo mundo está escorregando, tendo dificuldade, consegue tirar um diferencial na pilotagem. Na chuva, a gente fica com medo, não forçar para não bater, mas precisa forçar um pouco para tirar vantagem.

E o que significou esse troféu da F3 BRDC?

Foi trabalho muito duro ao longo da temporada e conseguimos apenas o  segundo título da história da equipe Double R. É uma equipe média, uma Williams por assim dizer. O primeiro título foi em 2006 com o Mike Conway, da Fórmula Indy, e agora dez anos depois veio outro. A gente provou que não precisa estar na melhor equipe para ganhar. Não vai conseguir fazer isso na Fórmula 1, mas no nosso nível, trabalhamos bastante e mesmo nas vezes que não éramos mais rápidos, batalhamos muito. Quando precisava ter velocidade, a gente teve. Eu tive quatro vitórias na temporada e o Collard teve cinco, mas a gente foi muito mais constante.

Esse período foi bom também para crescer contra grandes rivais não é mesmo?

O Lando Norris seria um rival muito forte se tivesse feito todo o campeonato. Ele é um cara que dá para ver que está num nível acima. Eu reconheço isso pois é um cara com talento, mas que também tem muito dinheiro. No ano passado ele foi campeão da Fórmula 4 e fez outras duas categorias. Pilotou tudo que podia e só não foi campeão nos três torneios por não conseguir fazer todas as etapas. Mas foi bom ele correr contra a gente na F3, para saber que estamos no mesmo nível que ele. É um cara muito bom e isso sobe o nível da categoria. Quando o cara olha, que eu ganhei corrida dele em Silverstone e cheguei junto com ele em Spa, mostra que estamos no nível. A gente ficou disputando primeiro e segundo e sumimos do pelotão.

O Norris é um cara com chance de chegar no topo, então?

Na Inglaterra, se fala que todas as equipes de Fórmula 1 já estão de olho nele. Pode escolher, quase. Podemos dizer com certeza que ele estará no Mundial. Ele anda muito bem, tem excelente suporte e certamente chegará lá. Eu vou no vácuo, para depois passar com o DRS (asa móvel da F1).

Quem te inspira, do passado e presente?

O Senna é uma referência total, para a gente e os ingleses. Na última etapa eu estava falando com meu chefe de equipe, que disse: "o Schumacher fez recordes de vitória, mas a sensação, a atmosfera de quando o Senna tava na pista ninguém mais teve". Pena que eu não vi, só em filmes e vídeos. Assisti bastante aquela volta do Senna em Donington na sexta-feira antes da corrida. Tinha previsão de chuva e eu falei "tenho que olhar aquele vídeo". Pura inspiração.

Entre os "modernos", quem é referência?

Precisa dar uma olhada nas categorias anteriores e não só na Fórmula 1. Tem um cara que eu me inspiro e merecia um lugar melhor: o Nico Hulkenberg. O histórico dele é absurdo, ganhou tudo que fez. Mas precisa citar o Hamilton também. Na Inglaterra não gostam muito da personalidade dele, preferem muito mais o Button. Eles consideram o Hamilton um "americano", aquele jeitão gângster. Mas todo mundo sabe que ele é talento puro, não gosta de simulador, ficar na fábrica. Ele faz o trabalho dele na pista. O Rosberg vai todos os dias na Mercedes, passa no simulador, é 100% treinado. O Alonso é um baita piloto, mas nunca está na hora certa, no lugar certo. Mas é fantástico. Queria ver ele do lado do Hamilton na Mercedes.

Qual tua expectativa para guiar um carro de F1?

Um GP2 ou World Series já deve ser absurdo. O Fórmula 1 acho que não vai impressionar tanto na reta, mas  velocidade de curva é absurda, o que deve ser grudado. Deve ser interessante. Eu queria andar naquele Fórmula 1 que tinha tudo em 2007, com motor V10 e tudo de aerodinâmica e equipamento. Com 900 cavalos. Tu olhava aquele carro e saía carenagem por tudo, era uma nave e devia fazer muita curva. Esse carro deve ser animal.

Está com saudade do kart? Quem anda mais, o Matheus ou o Arthur?

Faz muito tempo que eu não ando de kart, um ano e meio sem participar de campeonato. Em novembro ou dezembro vou fazer uma corridinha com meu irmão. Esses tempos fui treinar com o Arthur, ele ia correr na Granja Viana e eu ia ver se ia correr. Daí tomei um fumo violento do meu irmão e decidi que não ia correr, que ia ficar feio. Ele está liderando campeonato em São Paulo e tomara que seja campeão.

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