Psicóloga mostra o outro lado do que se vê da janela

Psicóloga mostra o outro lado do que se vê da janela

A cor bonita do prédio ou a velha árvore da esquina tem tido vez para serem contempladas nestes tempos de recolhimento

Correio do Povo

publicidade

Natalia Schopf Frizzo*

Não é interessante pensar que nenhuma janela do mundo tem a mesma paisagem? Que dentro da mesma casa, a cada novo ângulo, surge uma nova fotografia, imersa em cores, encantos ou desencantos? Nesses tempos em que o carro, em tantos momentos, virou acessório secundário e os passeios pelas quadras do bairro constituem pequenos respiros em meio ao isolamento, muitos mundos novos têm sido descobertos. A casa antiga que sempre esteve ali passou agora a ser vista.

A cor bonita do prédio ou a velha árvore da esquina tem tido vez para serem contempladas. Nossos olhos inquietos pela correria do tempo hoje descansam sobre natureza e construções... A nossa relação com o tempo reeditou-se. Os olhos são a janela da alma e o espelho do mundo, como diria Leonardo da Vinci. Mas eu acrescentaria: e tudo vira memória... Por isso, tudo que fizemos hoje, todas as palavras que lançamos ao vento, ou todos os pensamentos que alimentamos sobre o eu ou o mundo, carregam o peso de nossa dedicação ao cultivá-los – você perceba isso ou não. As marcas que recebemos e aquelas que deixamos constroem nossa identidade e nosso legado.


Por favor, escolha deixar pistas de amor na vida de alguém. Há vários lutos que vivemos hoje. Há muita gente sentindo a mesma coisa, e com isso é possível que você não se sinta só, pois o alívio da dor também está na história que vivemos com alguém. Compartilhamos emoções e também olhares. Para onde você está dirigindo sua retina? Quando você olha em direção ao futuro, você foca os pensamentos em algo nocivo, que ao pensar, faz com que se sinta mal, deprimido, ansioso? Ou para algo promissor e positivo, com esperança? Sabemos que não vivemos tempos fáceis, mas não podemos esquecer que tudo que você foca, cresce.

Há um tempo me deparei com uma frase que rodou a internet e dizia: o paciente não é só o paciente, ele é o amor de alguém. E por mais óbvio que pareça, tive a sensação de ser atravessada por uma enxurrada de verdades e uma grandeza de respeito cercada de puro amor. Porque isso me relembrou o quanto cada vida importa. O quão nossas ações ao entrar no mundo de outra pessoa e conviver com sua história merecem consideração. Nossa relação com o outro merece respeito. Escutar e ser escutado são um ato de respeito. Ser capaz de sustentar o silêncio pode ser reparador. Oferecer presença quando enxergamos no olhar de alguém resquícios de sofrimento é transformador.


Tenhamos calma. O abraço só está adiado. Tenhamos afeto, não só com os outros, mas sejamos generosos com a gente. Com nossos sentimentos, com o filtro que aprendemos a usar para a vida e com as paisagens que nos acostumamos a enxergar de todas as janelas. O mundo está mudando, e você também. Não se apresse, mas não fique parado por muito tempo. Há mais cores para se ver, se você observar mais devagar.


Há também mais poesia naquele filme que nesses novos tempos podemos assistir de novo. Mais poesia nos trabalhos manuais que hoje podemos aprender ou desentocar daquela empoeirada caixa de planos. Há um tanto mais de poesia nas músicas que podemos ouvir de novo, e outra vez... João Chagas Leite, por exemplo, me tocou sensivelmente esta semana, afinal, “meus desassossegos sentam na varanda, pra matear saudades nesta solidão. Cada pôr de sol dói feito uma brasa, queimando lembranças no meu coração”. Permita-se sentir e acolha a si mesmo. Revisite suas memórias, refaça seus planos. Troque a lente. Olhe de novo. E como tão lindamente escreveu Vitor Hugo, em seu poema, deixo aqui meu afago e desejo de que, ao redirecionar seu olhar, “ você, sendo jovem, não amadureça depressa demais. E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer. E que sendo velho, não se dedique ao desespero. Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é
preciso deixar que eles escorram por entre nós”. Reabra sua janela e abra seus olhos outra vez. “E quando estiverem exaustos e sorridentes, que ainda haja amor para recomeçar”.

*Natalia Schopf Frizzo
Psicóloga - CRP 07/21597
Mestra em Psicologia e Saúde - UFCSPA
Residência em Gestão e Atenção Hospitalar - Área de concentração: Oncologia-Hematologia -
UFSM/HUSM
Especialista em Cuidados Paliativos - Hospital Israelita Albert Einstein
Especialista em Psicologia Hospitalar – CFP
Contato via Instagram: @psicologanataliafrizzo


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895