A canção de Bebeto Alves em (en) contraluz

A canção de Bebeto Alves em (en) contraluz

Com 40 anos de carreira, o músico lançou novo disco neste mês, tocando todos os instrumentos

Luiz Gonzaga Lopes

Nas 10 faixas do disco, Bebeto Alves deu as texturas, as sonoridades e os arranjos desta "Contraluz" pela qual tenta se reconhecer e reconhecer a todos

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Em 2020, Bebeto Alves prometeu que não gravaria mais discos. Ele rompeu a promessa para nosso bem. Neste mês, ele lançou "Contraluz”, disco com 10 faixas, no qual ele toca todos os instrumentos, é responsável pelos arranjos e a produção em seu Home Studio. “No ano passado, eu falei que não faria mais discos, tanto que o nome do CD era ‘Pela Última Vez’. Não estava interessado em fazer discos para o streaming, não é o meu barato, a gente compõe uma narrativa e sabe que as plataformas trabalham diferente, com single, acessos. Há uma questão relacionada a conceito, de não aceitar o rótulo de música gaúcha, faço música brasileira com elementos do Sul do país e da América do Sul”, ressalta. 

Bebeto lembra que neste ano surgiu a oportunidade de compor, de criar um disco. “Fui experimentando coisas, sozinho em casa, até chegar a um outro lugar, o lugar de um novo velho artista que se restabelece com uma nova velha ideia do que significa estar aqui, e apesar de tudo cantar. Fui experimentando texturas musicais, a construção de arranjos. De certa maneira, é o disco que mais me representa. Traz influências de toda a carreira, do que recebi dos músicos que trabalharam comigo. O disco traduz coisas do momento, do isolamento social, do momento político. Fala da minha maneira de sentir as coisas, não tem discurso ideológico-partidário, tem uma coisa existencialista, humanista”, afirma.

Ao escutar as 10 faixas e analisar a sonoridade e letras, podemos dizer que Bebeto cavoucou fundo na alma de cigano, poeta, de “nêgovéio”, milongueiro, artista em todos os sentidos. A faixa-título “Contraluz” tem as texturas de música gaúcha, mas carrega a música eslava e francesa. “Penso/repenso/resisto até/Sinto/pressinto/que não vai dar pé”. É o niilismo esperançoso. A parceria com a paraibana Renata Arruda em “Um Brilho em Teu Olhar” traz aquele tom de viola do Centro-Oeste do país, unindo as regiões distantes. Em “Beat”, a grande homenagem a Macu, o escritor uruguaio, amigo de Bebeto, Atilio Perez Acunha, falecido em 2020 aos 68 anos. “Ele entendeu a poesia beat fez um livro chamado ‘Ontheroadagain’, criando uma poética ficcional com os urubeatniks que fizeram uma viagem em busca do contato com o último poeta beat, o Lawrence Ferlinghetti. Quando ele morreu, o pessoal lá do Uruguai convidou artistas para musicar poemas ou textos dele, o projeto Macunaíma. Tentei musicar um poema que ele fez homenagem a mim, mas não consegui. Aí musiquei um trecho do livro. “Hay un musculo que late es el corazon y hace beat, beat, beat, beat/ hay un deserto y en ese deserto hay un fuego/ vamos hacia el oeste para ver el ultimo poeta beat, beat, beat, beat/ Aqui vamos de nuevo Ontheroadagain/ el mundo es un paño verde y el fondo la carretera se extiende/ como me gostaria de escuchar Steppenwolf/ Mas se ha dormido el rock and roll”. Uma pérola de canção-homenagem. 

Na contracapa do CD, Bebeto fala desta “Contraluz” que significa o disco com uma foto estilizada da companheira de caminhada, Simone Schlindwein, na qual não se sabe se Bebeto está de frente ou costas no contraluz. “Essa nova velha ideia é essa contraluz através da qual tento de todas as formas me reconhecer e reconhecer a todos. Não sem dificuldade, mas, com uma vontade imensa de acreditar, que ainda podemos ser melhores do que já fomos um dia”, escreve o músico de 67 anos.

Com o parceiro de Juntos, Gelson Oliveira, vem a composição “Terra à Vista”, que evoca o beijo como ponte sobre a água corrente, o movimento de mar. Uma balada dedilhada que tem como refrão: “Um desejo/ Olhos de um Sorriso/ Vejo o que for preciso/ Terra à Vista de lá”. Para não esquecer o milonguear e os ritmos gaúchos, a canção “De Déu em Déu” dá o tom: “Baila essa milonga/ em meu peito apertado/ colado no teu coração...”. Pela escuta exaustiva do disco, posso dizer que em ‘Contraluz’, Bebeto encontra a Luz e nos ilumina. 


Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895