“Alemanha, uma Vez”
A doutora em Filosofia, escritora e tradutora Muriel Maia-Flickinger apresenta o livro “Alemanha, uma Vez”, do artista plástico Joaquim da Fonseca, publicado pela Editora Sulina
publicidade
Na capa do livro - mesmo sem recordar o nome do autor, pois nomes são difíceis de guardar - reconhecemos de imediato, na imagem de colorido intenso, algo que acorda em nós sei lá o que de familiar, de “nosso”. Joaquim da Fonseca é nosso velho conhecido não só das capas de livros importantes, como aquela, belíssima, de No tempo da Flor, de Augusto Meyer, senão dos livros que ilustrou, como a série publicada com L.F. Verissimo, em que ambos vão “traçando” com humor e graça as capitais do mundo, senão também das várias exposições de suas aquarelas – a última delas exibida na PUCRS.
Pensamos, com isso, poder acordar na memória do leitor um contato já tido, entre tantos possíveis, com esse ilustrador gaúcho reconhecido não só no Brasil, cuja lembrança há de ainda arder nos seus sentidos. Pois bem, Joaquim da Fonseca é o autor de “Alemanha, uma vez...” O como de este livro ter chegado à prensa é, a bem dizer, banal, e o que espanta é, sem dúvida, o tempo que ficou na gaveta (aliás, junto de outros não menos extraordinários, ainda não publicados).
O que o levou ao livro, é ele mesmo que o narra, na sua emocionada apresentação: Alemanha, ach du lieber! Foram os anos de contato íntimo, primeiro com colegas e amigos, em Santa Maria; após, como estudante na capital, e afinal como professor de gerações de alunos na dita colônia alemã no Vale do Rio dos Sinos, que despertaram nele o interesse pela Alemanha, sua história e seus costumes. Sua memória está povoada desses teuto-brasileiros cujos nomes ainda ecoam nele – os Bopp, os Lang, os Mayer, Zimmerman, Kieffer, Lutzemberger, Hoffstetter, Jungbluth, Fischer, Schröder, Bier, Schamman etc. – alguns bem próximos, até hoje. O que mais o tocou, no convívio com eles, foi o relato das dificuldades iniciais, no Brasil, a discriminação, o isolamento, mas sobretudo o fato de essas dificuldades terem nos impedido de preservar sua cultura de origem, mesmo na língua, que, mesclada ao português brasileiro, formou outro idioma, incompreensível na Alemanha.
Joaquim da Fonseca tinha tudo isso em mente, ao decidir buscar, para os amigos, no país de sua origem, a imagem da pátria abandonada. Ainda assim – por ser artista –, o que o moveu e determinou o roteiro da viagem, foi o desejo de abraçar a Alemanha na forma imagística em que se vai abrindo ao visitante. Apanhá-la em imagens e cores, era, sim, o que ansiava fazer; e não só para os olhos... Em cada região do país desbravado, as aquarelas que o pintor-desenhista extrai ao visto, ao ouvido, tateado e cheirado, vêm misturar-se ao dele adivinhado ou pressentido acerca da existência insinuada nas formas do mundo alemão – e narram bem mais do que meros retratos feitos de passagem.
Como dito, “Alemanha, uma vez” foi concebido há décadas e publicado, por acaso, no ano passado. Como tudo que envolve este livro, é estranho que, justamente agora, neste ano de 2024, se comemore os duzentos anos da Imigração alemã, no Rio Grande do Sul; comemoração, a que este livro vem ao encontro e celebra em cada uma de suas páginas. A data oficial da Festa é o 24 de julho, quando foi fundada a primeira colônia de imigrantes alemães, no Vale do Rio dos Sinos. Infelizmente, a última grande enchente do Guaíba e dos rios que o compõem destruiu não só o Centro Histórico de Porto Alegre, senão, entre outros tantos, aquele de São Leopoldo, a primeira colônia alemã a lembrarmos, no Estado; e arrastou consigo a maior parte dos documentos e outros testemunhos valiosos da história dessa colonização. Isso tornou, naturalmente, irrealizável a exposição das aquarelas que ilustram esse livro de Joaquim da Fonseca. Sua apresentação aconteceria nos meses de junho e julho, no Paço da Prefeitura. Quando conseguiremos ver expostas essas aquarelas, por aqui, é impossível dizer. O livro, porém, está aí, com grande parte delas estampadas, junto aos relatos históricos que seu autor pesquisou para facilitar sua compreensão. A obra fala por si acerca do muito de indizível que nos liga a esses imigrantes e do que eles, do que seus feitos no Brasil, e do que seu país de origem significam para nós e para a nossa história.
Para finalizar, eis uma citação do texto introdutório ao livro pelo próprio Joaquim da Fonseca:
“Muitos daqueles jovens tinham sobrenome alemão e uma das perguntas que eu fazia com frequência, por curiosidade, era se eles sabiam o que significavam, em português, os seus nomes de família. Apenas uns poucos podiam me dar a tradução do Schumaker, Miller, Baumgart, Ritter Schild, Kirche, Weber, Hackmann, Jung ou Strumpf que seguiam o nome bem brasileiro de José, Ana Paula, João ou Beatriz. Nenhum deles falava ou compreendia a língua de seus antepassados. No máximo, podiam dizer umas poucas palavras ou expressões que lembravam das conversas com seus avós ou bisavós…. Foi constatando tudo isso que pensei em tentar mostrar como é hoje a pátria de onde esse povo se originou.”