De segunda-feira (13/10) a sexta-feira (17/10), a cidade de Pelotas recebeu a terceira edição do Festival de Curtas-Metragens Levante. Idealizado por dois egressos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Pelotas – João Fernando Chagas e Rubens Fabricio Anzolin – o evento procurou dar espaço e visibilidade ao cinema independente brasileiro. Com mais de 40 produções oriundas de diferentes estados e regiões do país, o Levante contou com programações paralelas e atividades formativas gratuitas, que trazem profissionais de gabarito para o interior do Estado.
A premiada animadora Camila Kater, do curta-metragem “Carne” (2015), ministrou uma oficina de animação em stop-motion, enquanto o diretor de fotografia do renomado longa-metragem mineiro “O dia que te conheci” (André Novais Oliveira, 2023), também ofereceu uma atividade introdutória aos interessados pelas práticas da imagem. Além disso, o Levante preparou uma homenagem a dois atores fundamentais dos últimos anos do cinema brasileiro, Norberto Francisco Oliveira e Renato Novaes, pai e filho, respectivamente.
Foram exibidos seis filmes em que a dupla atuou, na abertura do festival, às 19h de segunda-feira (13/10), sendo que ambos são marcados na atuação justamente pela ausência de uma formação profissional prévia. Começaram a fazer filmes por conta de André Novais – filho de Norberto, irmão de Renato – e, desde 2014, quando estrearam no longa-metragem “Ela volta na quinta”, têm composto um seleto universo de produções ao redor do país. Os atores presentes receberão o Troféu Homenagem do festival, além de participarem de uma roda de conversa ao redor de suas trajetórias, que ocorreu na terça-feira (14/10), às 16h.
O festival foi criado em 2021, pensado para ser uma alternativa ao circuito exibidor gaúcho. Apesar de um recente crescimento de mostras e certames cinematográficos no Estado, há ainda poucos espaços de difusão para produções independentes e de baixo orçamento, distantes da lógica mercadológica que assola boa parte das produções. Foi nesse intuito que, em 2021, o Levante lançou sua primeira edição, ainda no modelo online, por conta da pandemia da Covid-19.
Já em 2024, pela primeira vez, o evento foi capaz de realizar uma edição presencial, que reuniu a equipe de curadoria e convidados do Rio Grande do Sul ao redor de mesas temáticas, em cinco noites de exibição.
Diferentemente de outros eventos mais consolidados, o Levante busca um diálogo mais amplo com o cenário do curta-metragem nacional, através da intersecção de artistas e profissionais das mais variadas regiões do Brasil. O recorte curatorial é bastante específico, e segue a ideia dos criadores do evento. A pergunta que guia a seleção das produções é justamente “onde se escondem os filmes?”. De modo provocador, o interesse é disparar a dúvida: onde estão sendo exibidos os curtas-metragens de universidades públicas, dos realizadores que não possuem acesso a uma verba institucional, ou mesmo aqueles que, ainda em início de carreira, escolhem fazer cinema com as ferramentas possíveis? Abarcar estes filmes, e olhar para eles com critério, carinho e seriedade, é uma das principais tarefas do festival. Isso tudo está, de algum modo, influenciado também pelas importantes mudanças vividas no contexto macro do audiovisual do país, que, apesar de recentes conquistas em termos internacionais, ainda vê grande parte de seus agentes serem sufocados pela dificuldade de financiamento e distribuição.
Vale destacar que os curadores do evento são também todos egressos da UFPel: Matheus Strelow, Lauren Mattiazzi Dilli, Lucas Honorato, Gianluca Cozza, André Berzagui e Victória Kaminski.
Em termos históricos, o cinema brasileiro já enfrentou muito mais de uma vez o descompasso entre o desejo de produzir e a incapacidade material para fazê-lo. Desse embate, afinal, surgiram realizadores, atores e até mesmo movimentos estéticos que marcaram e fundamentaram nossa história. É o caso, por exemplo, dos cineastas da Boca do Lixo, de São Paulo, e de toda uma cena mais ampla que deu origem ao Cinema Marginal, conhecido por filmes como “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla e “Matou a Família e Foi ao cinema” (1969), de Júlio Bressane. Este lastro histórico se mantém vivo até os dias atuais, e, especialmente nos anos 2010, por meio das câmeras digitais e do fácil acesso a Internet, ofertou ao campo do cinema brasileiro a emergência de novos realizadores, espalhados de Norte a Sul do país. Diante do contexto mais recente, o que um festival como o Levante busca é justamente a possibilidade de levar ao público pelotense – já inserido no universo audiovisual, por conta da presença dos dois únicos cursos federais de Cinema no Rio Grande do Sul – a produção contemporânea dos artistas que, mesmo sem tanta verba ou visibilidade, ainda insistem em produzir seus filmes.
É também por conta da presença da Universidade Federal de Pelotas, que abriga os cursos de Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação, que o Levante buscou destacar estas duas técnicas da sétima arte. Enquanto outros eventos reservam poucas vagas a filmes animados, o festival pelotense busca equilibrar a quantidade de obras exibidas dentre as produções em desenho (2D, 3D ou stop-motion) e as produções em live-action.
Nesse sentido, o evento foi dividido em duas mostras oficiais: Levante e Animada, ambas competitivas, avaliadas por um júri com profissionais de impacto nacional: o curador internacional Leonardo Amaral, o animador experimental cearense Diego Akel e a premiada cineasta curitibana Nathália Tereza.
Houve ainda a Mostra Interlúdio, voltada às primeiras produções de diretores e diretoras, feitas em cursos técnicos ou universidades, ou mesmo através de editais de incentivo que tiveram suas primeiras edições. Estes filmes, também em competição, foram avaliados pelo Júri da Crítica, composto pelo pesquisador e crítico de cinema gaúcho Maurício Vassali e pelo curador e jornalista mineiro Gabriel Araújo.
Por fim, o festival também teve atividades em parceria com a educação pública municipal, através da oferta de oficinas de animação e de uma Mostra Infantojuvenil, chamada de Pequeno Levante, que levou os estudantes de Pelotas até as salas de cinema para acompanharem o festival.
Na tentativa de consolidar um ecossistema amplo de produção, e sobretudo de levar profissionais e artistas importantes para o interior do Rio Grande do Sul – onde a produção está distante de um sistema mercadológico concentrado e de códigos estéticos mais frios e palatáveis – é que o Levante realizou a sua edição de maior infraestrutura.
Foram cinco dias de atividades gratuitas, entre segunda-feira, 13, e sexta-feira, 17, tanto no Cine UFPel – localizado na rua Lobo da Costa, 447 – quanto na Secretaria de Cultura de Pelotas. Na parte da tarde, equipe e convidados realizam debates ao redor de temas políticos e estéticos do curta-metragem – na quarta-feira (15/10), foi um estudo de caso aberto da recente produção “Testemunho” (Roberto Cotta e Leonardo Amaral, 2025), bem como na quinta (16/10), foi realizada uma conversa sobre “Animação de Invenção”, com Camila Kater e Diego Akel.
Enquanto isso, à noite, sessões competitivas foram exibidas, com curtas-metragens recentes do Brasil todo, entre o horário das 19h e o das 22h.
Todas as produções do evento foram inéditas na cidade de Pelotas e, muitas delas, inéditas também em todo o Rio Grande do Sul.